sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Cine Baú - Pacto de Sangue (Double Indemnity)

De: Billy Wilder. Com Barbara Stanwyck, Fred MacMurray e Edward G. Robinson. Suspense / Noir, EUA, 1944, 106 minutos.

Em uma das primeiras cenas do clássico noir Pacto de Sangue (Double Indemnity), o vendedor de seguros Walter Neff (Fred MacMurray, naquele estilo carismático canastrão) vai até a mansão Los Feliz Boulevard, com a intenção de renovar a apólice dos veículos de um de seus clientes. No local é recebido pela esposa do homem, uma loura sedutora embalada em uma reveladora toalha, recém saída do que parece ser um banho de sol. Quando desce as escadas sobre um delicado tamanco de salto alto, o sujeito não consegue deixar de observar a tornozeleira usada por sua anfitriã. E, vá lá, talvez ele nem precisasse ser um podólatra de plantão já que suas cantadas meio baratas, que evoluem a partir de diálogos enigmáticos e divertidos - com aquela dose certa de safadeza de duplo sentido - entregam: o sujeito já está caído pela senhora Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck).

Quando o filme começa, vemos um desabalado Neff atravessar de forma cambaleante os corredores do escritório da agência de seguros em que trabalha. Ele, um homem de 35 anos, solteiro, sem cicatrizes visíveis: "ao menos até agora a pouco". Quando pega o telefone na intenção de fazer uma ligação para o seu chefe, uma espécie de investigador de seguros chamado Barton Keyes (Edward G. Robinson), Neff pretende fazer uma dolorosa confissão. É o momento em que a obra volta no tempo para uma narrativa sobre ganância, traições e dinheiro obtido de forma ilegal. O caso é que do encontro entre Neff e Phyllis surge um plano: fazer com que o marido da jovem, um homem mais velho que trabalha em uma indústria, assine um seguro de vida para, mais adiante, sofrer uma morte "acidental". Acidental entre aspas, porque a dupla central se empenhará em colocar em prática um ousado estratagema com vistas a ficar com o dinheiro da apólice da vítima.

Ao cabo, essa é uma obra em que tudo funciona direitinho - com cada etapa se encaixando em outra, o que deixa o espectador em suspense o tempo todo. O fato de Keyes confiar demais em Neff como um de seus principais empregados, certamente adiciona uma pimenta a mais - especialmente após o vendedor se apaixonar por Phyllis e se tornar obcecado com a ideia de dar cabo do marido desta. Ainda mais quando ela revela sofrer uma série de maus tratos deste. Só que Keyes também é um habilidoso investigador. Capaz de identificar qualquer falha que possa sugerir haver algum tipo de trapaça para a obtenção do dinheiro dos seguros (seja por meio de mortes encomendadas, suicídios meio mal explicados ou acidentes questionáveis). Então, para que haja sucesso na empreitada é necessário que o plano seja impecável. À prova de qualquer equívoco, o que envolverá trocas de identidades, um acidente em um trem e questões de difícil solução, como o fato de o morto não ter conhecimento de que possuía uma apólice de seguro de vida).

Dirigida por Billy Wilder, em roteiro coescrito por Raymond Chandler, a partir da obra de James M. Cain, a obra receberia uma série de indicações ao Oscar, ainda que tenha saído de mãos abanando na ocasião - e hoje em dia ninguém lembra de O Bom Pastor, de Leo McCarey. Tudo isso não tira o brilho da produção, com sua tensão sufocante e roteiro engenhoso, que estabeleceria um certo padrão para as narrativas noir, com seus detetives antiquados e ambiciosos, que se veem atrapalhados diante de loiras frias e maquiavélicas. Não por acaso, em 1998, o filme se tornaria o 38º melhor de todos os tempos, de acordo com lista elaborada pelo American Film Institute (AFI). Aliás, no conjunto de elogios há ainda um marcante comentário feito por Alfred Hitchcock, que após conferir Pacto de Sangue teria dito que desde esse filme "as duas palavras mais importantes em filmes são 'Billy e Wilder'". Um elogio e tanto para o realizador que, mais adiante, realizaria uma série de obras-primas, como, Farrapo Humano (1945), Crepúsculo dos Deuses (1950), A Montanha dos Sete Abutres (1951) e Quanto Mais Quente Melhor (1959), entre outros.


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