terça-feira, 26 de julho de 2022

Novidades em Streaming - Chico Ventana Também Queria Ter Um Submarino (Chico Ventana También Quisiera Tener Un Submarino)

De: Alex Piperno. Com Daniel Quiroga, Inés Bortagaray e Noli Tobol. Fantasia / Drama, Argentina / Uruguai / Brasil / Holanda / Filipinas, 2020, 84 minutos.

Meio de transporte ancestral, o navio tem papel central no curioso Chico Ventana Também Queria Ter Um Submarino (Chico Ventana También Quisiera Tener Un Submarino). Aliás, o caráter excêntrico da obra de estreia do diretor Alex Piperno - e que está disponível na Netflix - pode ser observado já no título do projeto. Há um quê de estranheza ali e que nos acompanhará nessa experiência sobre idas e vindas, encontros e desencontros e sobre as eventuais dificuldades que decorrem de choques culturais e de modos de vida bastante distintos. A bordo de um navio de cruzeiro que vaga pelos mares da Patagônia, Chico Ventana (Daniel Quiroga) é um empregado da tripulação que, certo dia, encontra uma espécie de portal mágico que o transporta para um apartamento de Montevidéu. Paralelamente, um grupo de camponeses do interior das Filipinas é surpreendido com o surgimento de uma cabana de concreto nos arredores do assentamento em que vivem.

Em algum momento essas histórias tão aleatórias, tão pouco previsíveis, irão se chocar. Circulando pelo navio, Chico Ventana se ocupa lavando o convés e auxiliando os turistas em atividades cotidianas. Em meio aos cubículos apertados do local, o taciturno sujeito localizará essa porta que lhe conduzirá a um "outro lado". Fora a metáfora do barco em si - um veículo que leva passageiros pra lá e pra cá, atracando em países culturalmente diversos -, o que se dá aqui é a aleatoriedade do inesperado que se junta à nossa eterna busca por conquistar outros espaços. Em Montevidéu, Chico conseguirá se aproximar de Elsa (Inés Bortagaray), numa fantasia existencial que vai no limite do realismo fantástico. Como num encontro entre Quero Ser John Malkovich (2000) e o cinema de Apichatpong Weerasethakul (especialmente na história que se passa no campo), aqui não haverá respostas fáceis, cabendo ao espectador a tarefa de montar o quebra-cabeças que possa dar alguma lógica à narrativa.


Sim, pode ser menos prazeroso que um filme hollywoodiano com começo, meio e fim bem definidos. Mas por ser tão instigante, o filme permite um mergulho para além daquilo que vemos nas aparências. Ao cabo os três personagens centrais das duas histórias parecem estar meio à margem: Chico é o trabalhador de um cruzeiro que não pode participar efetivamente da viagem (como se fosse um turista). Ele apenas está focado na mangueira que esguicha água e em seu ofício. Já Elsa, em meio a livros e doses de vinho, permanece em silêncio a maior parte do tempo, numa solitude que se confunde com a solidão. Ela é feliz? E ele? Como figuras errantes, eles se encontram inesperadamente como que numa espécie de limbo do espaço-tempo. E ali tem a oportunidade de conferirem algum significado as suas existências. Já a terceira pessoa, o camponês Noli (Noli Tobol) fica impactado com o surgimento da cabana, algo que ele acredita ser um castigo divino.

Há um quê, naturalmente, de complexidade no processo. Noli mobiliza a comunidade para sacrifícios que se converterão em ofertas: o componente religioso fala mais alto. Já para Elsa e Chico o que parece haver ali é algum tipo de inocência diante de um mundo muito maior do que sugere os seus próprios cubículos. É tudo achismo, mas isso é parte da diversão em uma obra que é extremamente bem acabada na parte técnica (e os cenários filipinos são não menos do que deslumbrantes, ao passo que a montagem é muito eficiente). Com poucos diálogos e completa ausência de trilha sonora, o trabalho avança para o seu final em que se obterão poucas respostas - ainda que haja instantes de catarse. "Para mim o cinema tem a possibilidade de ser radical e, mais do que isso, tem a obrigação de ser radical, intenso, permitindo a exploração lúdica dos materiais", resumiu Piperno em entrevista ao site Papo de Cinema. Ao fim, nesse abre e fecha de portas sempre haverá a oportunidade para novos campos de exploração. E para que as águas, finalmente, rolem.

Nota: 8,0


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