De: Renato Barbieri. Com Dira Paes, Flávio Bauraqui, Mariana Nunes, Matheus Abreu e Sérgio Sartorio. Drama, Brasil, 2019, 102 minutos.
Pureza nunca quis que seu filho partisse - por mais difícil que fosse a vida com o pesado trabalho de fabricação de tijolos de barro. Só que o sonho de Abel falaria mais alto, o que faria ele sair da pequena Bacamal, rumo ao Pará. Para desaparecer. Sem deixar rastros - os parentes que ele pretendia procurar pouco sabem. Desesperada, tentando descobrir qualquer notícia sobre o jovem - o caçula de cinco filhos -, a protagonista parte em sua busca. Munida apenas de sua fé - a Bíblia inseparável vai a tiracolo -, Pureza iniciará uma longa jornada em ônibus pouco confortáveis ou por meio de caronas nada convidativas. E vai parar numa fazenda de gado no sul do Estado, onde se oferece para trabalhar como cozinheira - ao mesmo tempo em que vai se dando conta da existência de um sistema que alicia jovens para um trabalho pesado, degradante e com absolutamente nenhum direito.
Sindicato? Alguém para amparar? Para dar as mínimas condições aos trabalhadores? Para protegê-los? Que nada. Na fazenda os jovens peões terão sua humanidade suprimida - o que é simbolizado pela captura dos documentos e pelo novo apelido que será dado pelos patrões (que poderá ser desde algo meio xenófobo, relacionado ao Estado de origem, como no caso do Piauí, ou alguma alcunha que diga respeito a algum traço de personalidade do sujeito). No dia a dia, o sono precário em redes velhas, a falta de uma alimentação adequada, de uma habitação satisfatória ou mesmo de uma água limpa para matar a sede, fará com que os operários adoeçam, sofram, e se rebelem. O que piorará tudo. Nesse contexto, Pureza se empenhará em ser como uma espécie de mãe improvisada para aqueles meninos de pouco mais de 20 anos, ao passo em que luta para obter alguma notícia de Abel.
É tudo muito bem costurado no filme que está disponível para aluguel no Now, sendo impossível não se comover - especialmente quando, no terço final, a obra dá um salto meio inesperado para a capital federal, onde a batalha ganha outros contornos, com aproximação de coletivos que lutam pela libertação de trabalhadores em condições análogas à escravidão, além de um padre missionário, de nome Flávio (Cláudio Barros), que integra a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e que se incorporará a pauta. A burocracia estatal e o toma lá dá cá envolvendo ministérios e interesses políticos diversos tornará tudo mais difícil. Mas a impressionante obstinação de Pureza - encarnada quase com devoção por Dira Paes - será decisiva no contexto que busca livrar os trabalhadores da exploração.
Ao final da sessão estava aos prantos especialmente pelo caráter semidocumental da experiência, que enche a tela de humanidade, de um senso único de empatia e de muita revolta com aquilo que acompanhamos. E, ainda que inegavelmente pesada, a obra tem lá as suas sutilezas, apostando em rimas visuais diversas - há uma impressionante cena que mais parece um quadro de Caravaggio, em que Pureza ampara um trabalhador morto, enquanto a chuva insiste em cair -, e em um aparato técnico que contribui para certa sensação de desalento que rege a narrativa. Premiada em diversos festivais - entre eles o do Rio -, Pureza é uma história que precisa ser conhecida. Que necessita chegar a mais e mais pessoas. Uma mulher que recebe em Londres, um prêmio pela sua atuação no combate à escravidão deve ser reverenciada todos os dias. E este também é o papel da arte. Nos fazer confrontar tudo isso. Refletir sobre. E tomar melhores decisões daqui pra frente. Decisões que, de preferência, minimizem os riscos para o trabalhador brasileiro. É uma escolha não tão difícil.
Nota: 9,5
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