quarta-feira, 20 de julho de 2022

Cinema - Boa Sorte, Leo Grande (Good Luck to You, Leo Grande)

De: Sophie Hyde. Com Emma Thompson, Daryl McCormack e Isabella Laughland. Drama / Comédia, Reino Unido, 2022, 97 minutos.

Existe uma frase atribuída ao escritor George Bernard Shaw que pode soar exagerada, mas que é inequivocadamente realista: "de todas as perversões sexuais, a castidade é a mais perigosa". E, vamos combinar, basta pensar no atual mundo em que vivemos - cheio de pessoas frustradas, individualistas, insatisfeitas - para percebermos que a sentença do autor de Pigmalião talvez continue mais verdadeira do que nunca. A meu ver é muito claro: o ser humano seria mais feliz se fosse melhor resolvido sexualmente. Se transasse mais. Se não tivesse tanta culpa católica - a castidade aqui como uma metáfora para o sexo apenas para a procriação -, que o impedisse de expressar seus desejos mais íntimos. Que o fizesse ter de esconder aquilo que lhe dá prazer. Não significa aqui ser meramente hedonista. E, sim, estar aberto para experiências. Deixar os tabus de lado. Dialogar sobre. Aceitar as diferenças e se aceitar também. Enfim, uma forma de evolução, quem sabe?

Bom, não é que Boa Sorte, Leo Grande (Good Luck to You, Leo Grande) proponha uma reflexão assim tão profunda sobre esse universo, mas o caso é que o filme dirigido por Sophie Hyde e estrelado por Emma Thompson e Daryl McCormack, que estreia nos cinemas nesta semana, utiliza a sua uma hora e meia de duração para uma franca conversa que coloca a vida sexual no centro do debate. Ela, uma mulher madura - uma viúva beirando os 60 anos que foi casada a vida toda com o mesmo homem. Ele, um jovem profissional do sexo, que acaba fazendo o papel de terapeuta meio involuntário do assunto - e que também tem dores relativas ao passado para expiar. Em um quarto de hotel eles terão três encontros que serão marcados não apenas pelas transas, mas também por uma série de diálogos que farão emergir inseguranças, desejos reprimidos, expectativas criadas (e nunca alcançadas), frustrações pelo tempo que passou e não volta mais, arrependimentos por decisões tomadas, entre outros.

Professora de religião aposentada, Nancy Stokes (Thompson) recebe Leo (McCormack) com uma timidez e uma ausência completa de autoestima - ao menos inicialmente - comoventes. O primeiro encontro é mais dolorido do que prazeroso: a protagonista revela nunca ter alcançado um orgasmo que fosse, na vida. Nem sozinha. Ao lado do marido, o sexo mecânico era o mesmo durante os 31 anos que estiveram juntos. Pouca paixão, tesão no piloto automático. Nada de posições variadas. Ou sexo oral. Nada que pudesse ferir o código de ética das "famílias de bem". Nada que fizesse sombra a um eventual pecado. Incomodada com um casamento que cozinhou em fogo brando rumo ao caos, Nancy era incapaz de lidar com suas alunas mais despojadas, mais abertas, mais bem resolvidas. Com a Bíblia embaixo do braço as reprimia, num moralismo abusivo, que dizia muito mais respeito às suas decepções do que as das meninas - certamente figuras vivas, levemente exibidas, com muito mais autonomia, como é próprio dos choques geracionais

Divertida, insinuante, cheia de diálogos espirituosos sobre possibilidade de mudanças independente da idade, a obra é pródiga ao naturalizar o sexo como algo que faz parte das nossas vidas - e não é por acaso que a tensão do comportamento de Nancy vai reduzindo conforme os encontros avançam, com ela se apresentando mais solta, eventualmente mais confiante e à vontade para comentar sobre o que deseja e como encara certas questões de sua vida (como o fato de ter filhos, e o quanto essa decisão modificaria seu futuro para sempre). Lá pelas tantas, enfeitiçada por Leo - e pelo seu olhar atento e disposto a um mergulho no universo de Nancy -, ela afirma que o acesso a satisfação sexual deveria ser uma espécie de serviço público, oferecido pelo Estado. "De preferência sem que os impostos fossem aumentados", brinca. "Quanto menos merda não haveria?", questiona. É impossível não concordar. Com ela, com Bernard Shaw, com outros teóricos. Ou mesmo com cronistas, como Luis Fernando Veríssimo, que afirmou que "todo o nosso corpo é um órgão sexual". "Bom, a exceção talvez sejam as clavículas", completaria ele. Talvez. Vai saber.

Nota: 8,0

 

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