segunda-feira, 4 de julho de 2022

Novidades em Streaming - A Garota e a Aranha (Das Mädchen un die Spinne)

De: Ramon Zürcher. Com Liliane Amuat, Henriette Confurius, Ursina Lardi e André Hennicke. Drama, Suíça, 2021, 99 minutos.

"Viaje, viaje / Mais longe que o dia ou a noite (viaje, viaje) / Viaje (viaje) / No espaço extraordinário do amor / Viaje, viaje / Sobre a água sagrada de um rio indiano (viaje, viaje) / Viaje (viaje) / E jamais retorne". Não são poucos os instantes em que as curvas melodiosas, otimistas e melancólicas da canção Voyage Voyage da banda Desireless aparecem em meio a narrativa do curioso e poético A Garota e a Aranha (Das Mädchen un die Spinne). Seja em notas aleatoriamente tocadas ao piano, seja em uma sequência na boate, a música reforça o caráter permanentemente transitório da vida - e dos personagens que acompanhamos. Somos seres em movimento. Que abandonam lugares, objetos, pessoas em busca de outros objetivos, outras conquistas, outros amores, outras amizades. Um novo trabalho. A cidade que fica para trás. Os estudos concluídos. Alguém que se mudou e que não veremos mais. Rompimentos e fluxos contínuos. Águas que vão e vem, rachaduras que surgem, fraturas que se curam.

De certa forma as simbologias delicadas, as metáforas sublimes gritam no filme dirigido por Ramon Zürcher e que está disponível na plataforma Mubi. Na trama, a jovem Lisa (Liliane Amuat) está se mudando. Em meio ao caos de caixas espalhadas, de ajustes e de instalações sendo feitas no novo apartamento - algo que se soma ao reconhecimento de um ambiente que, mais adiante, ganhará a personalidade da recém-chegada moradora - pessoas vão e vem: instaladores com suas furadeiras, novos vizinhos que se pretendem acolhedores, a mãe de Lisa Astrid (Ursina Lardi), uma mulher de cinquenta e poucos anos vigorosa e cheia de palpites, uma amiga chamada Mara (Henriette Confurius) que circula introspectiva enquanto parece entristecida com alguma coisa. Cachorros, crianças, objetos aleatórios: estiletes, esponjas, perucas, utensílios. Conversas amenas que também são profundas. O dito pelo não dito. O que ficou, o que vem. Até mesmo aquilo que parece parado.


Definir A Garota e a Aranha, por sinal, não é tarefa fácil. É um drama inevitavelmente humano, sobre segredos, frustrações, desejos e anseios nem sempre verbalizados - mas, aparentemente, sempre sentidos. Nesse vai e vem que é a existência contamos muitas vezes com o aleatório como componente norteador. O inesperado que ganha substância. O abstrato que se materializa. Na noite em que está se despedindo de seu antigo apartamento, Lisa realiza uma festa para amigos, vizinhos, novos e velhos conhecidos. A alegoria para algo que se rompe parece fácil, lógica. Um vidro que se quebra. Uma vizinha estranha, que adota um gato. Uma rachadura no móvel novo. Um bebê que chora um choro que se confunde com outros barulhos externos. Há, na experiência, algum tipo de fluidez constante, como que cortando tudo. Ou mesmo entrelaçando as coisas, situações - como uma espécie de aranha que tece a sua teia unindo tudo (com a mesma fragilidade com que aquilo que ali está pode se romper).

Mais uma vez, essa talvez seja uma experiência que talvez incomode os espectadores mais impacientes, que sempre esperam que algo aconteça. Que solucione, que esclareça, que direcione o entendimento. Mas essa é mais uma obra muito mais para vivenciar do que para compreender. Há no contexto todo um sentimento meio claustrofóbico do aperto, da vida nas grandes cidades, da doença e do mal estar cotidianos, da persistência da renovação. Algo que pode ser simbolizado, por exemplo, pelo desenho de uma planta baixa de um prédio que, aos poucos, vai "ganhando vida". Ou mesmo pelos objetos que furam - como a britadeira barulhenta que volta e meia surge para nos lembrar que, sim, há barulho ali naquele meio (mesmo em meio a placidez das notas econômicas de um Voyage Voyage meio torto ao piano). É quase como se estivéssemos em uma fábula de Jean Pierre Jeunet, dirigida por Luis Buñuel. O que pode ser uma boa forma de resumir (e elogiar) a eloquência da narrativa. Mesmo quando ela é sutil.

Nota: 8,5


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