quarta-feira, 13 de julho de 2022

Pérolas da Netflix - A Vida de David Gale (The Life of David Gale)

De: Alan Parker. Com Kate Winslet, Kevin Spacey, Laura Linney e Gabriel Mann. Drama / Suspense, EUA, 2003, 131 minutos.

Poucos filmes costumam ser tão unânimes entre o público de cinema como no caso do ótimo drama A Vida de David Gale (The Life of David Gale) - obra derradeira do diretor Alan Parker (de Coração Satânico, de 1987), que finalmente foi disponibilizada na Netflix. Seja pelo tema relevante que leva pro centro da narrativa um debate sobre a pena de morte, seja pelo roteiro extremamente bem costurado, cheio de idas e vindas, de flashbacks, de reviravoltas e outras trucagens, o caso é que o filme estrelado por Kate Winslet, Kevin Spacey e Laura Linney é daqueles que caem facilmente no gosto da plateia. E aqui entra o grande mérito de Parker, e de sua capacidade única de conduzir o espectador para uma reflexão mais ampla a respeito de um assunto que, em geral - e em tempos de "bandido bom é bandido morto" -, costuma ser polêmico. No decorrer de toda a experiência permanece a dúvida: afinal, o professor de filosofia David Gale (Kevin Spacey) seria mesmo o culpado pela morte de sua colega ativista pelos direitos humanos Constance Harraway (Laura Linney)?

No começo da história a jornalista Bitsey Bloom (Kate Winslet) é "convocada" por Gale para uma última e reveladora entrevista, que será concedida em um espaço de três dias - aliás, os últimos três dias de vida do professor, que aguarda pela sua execução em um presídio do Texas, após ter sido condenado pelo estupro seguido de assassinato por asfixia da vítima. Respeitado no meio acadêmico, David é aquele professor boa praça, que participa das noites de bebedeiras com os alunos e transforma suas aulas sobre Lacan e Kant em peças de comédia de stand up involuntárias, mas cheias de ricos recortes temáticos - e nesses instantes iniciais já vale ficar atento às metáforas que correm nas entrelinhas a respeito de "fantasias", "desejos" e "busca por felicidade" que são evocadas por filósofos históricos, e que estabelecerão algum tipo de diálogo com aquilo que acompanhamos.



Em uma dessas noites de festa a beira da piscina, David é seduzido por uma aluna meio relapsa que precisa de nota para não perder o semestre (papel de Rhona Mitra). É a partir desse episódio que sua vida vira de ponta cabeça: acusado de estupro de vulnerável, vê sua credibilidade cair no ambiente universitário, perdendo o emprego. Perante a sociedade, os amigos e a família, mesmo não havendo provas sobre o crime - ele é absolvido -, ele passa a conviver com o rótulo de estuprador escrito na testa. E tudo se torna ainda pior porque, ao lado de Constante, David é um fervoroso ativista contrário à pena de morte, com a pauta girando em torno não apenas da sanha punitivista pregada pelo modelo, mas também pela grande quantidade de recursos que são dispendidos a cada vez que um (pretenso) criminoso vai parar na cadeira elétrica. Como lidar com todas essas circunstâncias?

De forma eletrizante, Parker mantém o espectador em suspense constante, com cada dia de relatos de David espalhando algumas pistas a mais do que possa ou não ter acontecido - e aqui, um dos prazeres será de, ao lado de Bitsey, tentar juntar as peças do quebra-cabeças que revelem o que motiva, afinal, essa inesperada entrevista concedida por um condenado. Em meio a tudo há ainda a figura de um misterioso caubói que parece perseguir Bitsey e seu parceiro de jornalismo Zack (Gabriel Mann) - estando em lugares meio inesperados, o que amplia a tensão. Com ótima trilha sonora e excelente montagem, o filme ainda estabelece, em seu terço final, uma curiosa rima narrativa com a ópera Turandot, de Giácomo Puccini, uma jogada inteligente, tão melancólica quanto celestial. Nas premiações, A Vida de David Gale passaria meio batido. Mas nos corações dos fãs, segue como um trabalho insuperável.


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