De: Benjamin Cleary. Com Mahershala Ali, Naomie Harris, Glenn Close e Awkwafina. Drama / Ficção Científica, EUA, 2021, 112 minutos.
A lenda grega do Canto do Cisne - que refere-se, metaforicamente, ao último grande feito de uma pessoa antes de sua morte - é o elemento que norteia a narrativa dessa ficção científica existencialista que está disponível na plataforma da Apple TV+. E, admito: o filme me pegou. Especialmente por fazer refletir sobre um dilema moral ético em que, independentemente da escolha feita pelo protagonista, seria difícil fazer qualquer tipo de julgamento. E quem acompanha o Picanha sabe que sou fascinado por esse tipo de experiência que, aqui, ganha ainda mais força não apenas pelo ótimo elenco - a interpretação de Mahershala Ali, por exemplo, é sempre uma AULA -, mas também pelos elementos técnicos, caso do elegantíssimo desenho de produção e, especialmente, da trilha sonora de nomes do art pop contemporâneo, como Moses Sumney, Frank Ocean e Helado Negro, que se conectam de forma quase epitelial ao roteiro.
A trama de O Canto do Cisne (Swan Song) se passa em um futuro próximo, onde a tecnologia parece ter avançado bastante - carros não necessitam de motoristas e os sistemas totalmente automatizados fazem parte do cotidiano. É nesse contexto que Cameron (Mahershala Ali), designer profissional e pai de família dedicado, amoroso, é diagnosticado com um câncer terminal - que ele mantém em segredo da esposa Poppy (Naomie Harris) e do filho pequeno (Dax Rey). Com apenas algumas semanas de vida pela frente, ele decide ir ao encontro de uma empresa que promete fazer réplicas perfeitas (e absolutamente iguais) de humanos, para fazer um clone de si próprio. A ideia é dotar esse clone de suas características não apenas físicas, mas também de suas memórias e de seu subconsciente, devolvendo a cópia para o convívio de sua família, enquanto pacientemente aguarda o ocaso de sua existência. Ninguém saberá desse gesto altruísta. Muito menos Poppy, que aguarda um segundo filho.
Bom, não é preciso dizer que a criativa ideia já é suficiente para que permaneçamos em suspense durante todo o filme. Concluído o procedimento, Cameron se verá diante de Alex, o seu duplo. Aquele que ocupará o seu lugar. Mas como aceitar isso, sem se ver invadido pela dor de, apenas aguardar a morte sem o convívio daqueles que mais ama? Como superar o suposto egoísmo que poderia advir de uma simples palavra que interromperia todo o procedimento? Ali entrega uma interpretação comovente de "dois homens" que são absolutamente iguais, ainda que possuam, aqui e ali, sutis diferenças - no figurino, em uma marca na pele, em um pequeno e distinto traço de personalidade. Na clínica em que o procedimento ocorre, Cameron é amparado pela doutora Scott (Glenn Close, em um papel menor, mas competente), enquanto estabelece algum tipo de amizade com outra doente terminal (vivida por Awkwafina) e que foi uma das primeiras pacientes do local.
Sim, os mais apressados poderão afirmar que a obra não passa de um episódio de Black Mirror estendido - aliás, tendo a concordar com aqueles que afirmam que uma pequena enxugada na ilha de edição teria feito bem à dinâmica, já que algumas sequências se estendem de forma eventualmente repetida (especialmente aquelas em que, curiosa e bizarramente, Cameron pode enxergar a sua "própria vida" pelos olhos de Alex). Ainda assim trata-se de uma grande estreia do diretor Benjamin Cleary - que faturou um Oscar pelo curta-metragem Stutterer em 2016 -, daquelas que nos faz refletir sobre luto, memória, permanência, medo da morte, ciência, medicina e tecnologia. Isso sem falar dos componentes filosóficos, socráticos e poéticos do todo. As soluções não são fáceis, certamente. Mas como exercício de imaginação não dá pra negar: o resultado é desconcertante. O que não é pouco.
Nota: 8,5
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