segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Cinema - O Festival do Amor (Rifkin's Festival)

De: Woody Allen. Com Wallace Shawn, Gina Gershon, Louis Garrel e Elena Anaya. Comédia / Romance, EUA / Itália / Espanha, 2020, 92 minutos.

Vamos combinar: as pessoas podem ter os mais variados motivos para não gostar do Woody Allen. Agora, uma coisa não se pode negar: assistir a qualquer das obras do diretor é sempre prazeroso. Especialmente para os fãs do universo das artes. Da literatura. Do cinema. Aos 86 anos, com mais de cinquenta filmes lançados e com uma série de polêmicas em sua vida pessoal - como o suposto caso de abuso sexual de que é acusado tendo ganhado os holofotes no último ano -, Allen parece utilizar o próprio cansaço da indústria que, talvez hoje, lhe vire as costas, como a matéria-prima para o recente O Festival do Amor (Rifkin's Festival), que está em cartaz nas salas do País. Assim como já aconteceu quase uma dezena de vezes, em trabalhos como A Rosa Púrpura do Cairo (1983), Dirigindo no Escuro (2002) e Meia-Noite em Paris (2011) o diretor utiliza a metalinguagem na condução de sua narrativa, ao nos jogar para a Espanha, durante uma semana em que ocorre o Festival de San Sebástian.

E, assim como ocorre também em boa parte de seus filmes, aqui temos como protagonista o intelectual atormentado, em crise existencial, e que acha que pode morrer a qualquer momento - sim, o hipocondríaco também costuma ser uma figura recorrente em suas obras. Nesse caso, esse eventual alter-ego do próprio diretor é encarnado pelo bonachão Wallace Shawn que, como o professor universitário e postulante a escritor tardio Mort Rifkin, aceita acompanhar a sua bela esposa Sue (Gina Gershon) - uma publicitária que agencia várias estrelas do mundo cinema -, ao já citado Festival. Só que será em terras espanholas que Mort perceberá que Sue pode estar muito mais próxima do que deveria de um diretor francês de nome Philippe (Louis Garrel), que a convida para uma série de eventos, que podem ser desde prosaicas coletivas de imprensa ou mesmo luxuosos jantares com figurões da indústria para divulgação de seu mais recente filme.

Enquanto perambula pela cidade tentando escapar de suas angústias, Mort conhecerá a médica Jo Rojas (Elena Anaya), que ele visita após constatar uma persistente dor em seu peito - que, coincidentemente, apareceu já na chegada à Europa. Com certa dificuldade para dormir, o protagonista misturará devaneio com realidade, enquanto sonha com seus diretores preferidos - Fellini, Truffaut, Bergman, Buñuel, Welles, Godard -, com obras clássicas desses mesmos diretores sendo recriadas em seu imaginário. E, será em meio a sequências improvisadas de Morangos Silvestres (1957), O Anjo Exterminador (1962), Cidadão Kane (1941) e Oito e Meio (1963), que Mort acabará juntando as pistas que servirão para que futuras decisões sejam tomadas. E, aqui, vale destacar o maior acerto da narrativa de Allen, que utiliza suas referências de forma, talvez, um tanto exagerada, presenteando os fãs de cinema com a oportunidade de reviver sequências antológicas que se transformam, ao cabo, na mais sincera das homenagens.

Sim, o diretor gosta de uma boa cultura de almanaque e faz questão que o espectador que acompanha seus filmes seja cúmplice nessa paixão, por mais que seus trabalhos soem repetitivos ou, em alguns casos, pareçam dar algumas voltas no mesmo lugar. Como de praxe, a litorânea San Sebastián também se transforma em uma espécie de personagem involuntária, com seus belos cenários servindo de forma perfeita para as divagações tão amorosas quanto filosóficas daqueles que acompanhamos. Sim, não há nada novo aqui e quem acompanha a carreira de Allen de perto sabe exatamente o que vai encontrar: verborragia, melancolia, alguns diálogos inspirados, uma ou outra piada sobre a condição humana (e o absurdo da existência), uma trilha sonora cheia de vigor e de carisma, pessoas simples buscando a felicidade, cenários poéticos, fotografia vibrante. Talvez às vezes a gente não precise de algo tão cabeçudo pra fazer a nossa semana melhor. E, nesse sentido, o diretor entrega tudo.

Nota: 8,0

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