segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Pérolas da Netflix - A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (The Mitchells vs the Machines)

De: Jeff Rowe e Michael Rianda. Com Abbi Jacobson, Danny McBride, Maya Rudolph, Mike Rianda e Olivia Colman. Aventura / Animação, EUA, 2021, 110 minutos.

Sério, foram necessários apenas 10 minutos de A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (The Mitchells vs the Machines) pra que eu já estivesse devidamente mitchelizado! Aliás, sinceramente, fazia bastante tempo que eu não assistia a uma animação que me fizesse gargalhar tanto, mas que também me emocionasse em igual medida. E eu confesso que sou absolutamente fascinado por essa capacidade dos criadores desse tipo de obra, que acerta em cheio na hora de agradar a criançada - com um apelo visual único -, mas que ao mesmo tempo olha com carinho também para os adultos (esses seres nostálgicos e cheios de memórias afetivas). E, nesse sentido, o filme da dupla Jeff Rowe e Michael Rianda oferece a experiência completa, com direito não apenas a reflexões sobre uso da tecnologia no nosso dia a dia (e seus eventuais excessos), mas também sobre relações familiares, anseios juvenis e até sobre nosso comportamento em relação aqueles que amamos.

A trama já inicia vertiginosa e em meio ao caos instalado pela "revolta das máquinas" do título. Voltando algumas semanas no tempo, conhecemos os integrantes da família Mitchell, a começar pela jovem Katie (Abbi Jacobson), uma criativa aspirante a escola de cinema que, de alguma forma, vive em pé de guerra com seu pai Rick (Danny McBride) um sujeito completamente avesso ao uso da tecnologia, daqueles que têm como grande sonho uma existência modesta em meio à natureza e com o uso de ferramentas simples, como uma chave de fenda. Completando o quarteto - ou quinteto se contabilizarmos o simpaticíssimo cãozinho Monchi -, temos o irmão mais novo de Katie, Aaron (Mike Rianda), um jovem obcecado por dinossauros, além de sua mãe Linda (Maya Rudolph), que se empenha em manter a unidade familiar. E será esse grupo completamente disfuncional que terá de se unir depois que um empresário do Vale do Silício de nome Mark Bowman (Eric Andre) é capturado e a revolta em si tem início.

Sim, pode parecer meio impossível que uma traminha tão convencional como essa renda um filme tão agradável, mas o segredo aqui está muito mais nos detalhes que costuram não apenas o roteiro, mas a personalidade dos protagonistas. Um dos melhores exemplos disso é o uso da metalinguagem - ou do filme dentro do filme -, e será justamente o resgate de antigos vídeos familiares, que resultarão em alguns dos momentos mais comoventes. E como Katie simplesmente parece disposta a filmar TUDO, a linguagem cinematográfica retorna a todo instante, seja em referência a outros filmes, seja por meio de novos curtas que estão sempre em construção pelas mãos da jovem. Já a solidão de Aaron, aquele menino nerd típico, é evidenciada em uma hilária cena em que ele liga para todos os números de uma lista telefônica, pra saber se a pessoa do outro lado gostaria de "conversar sobre dinossauros" (o tipo de excentricidade que certamente dialogará com os pimpolhos).

Usando ainda a linguagem da internet a seu favor - o tempo todo somos surpreendidos por emojis, memes e outras imagens que parecem saltar da tela -, o filme ainda faz piada o tempo todo sobre como parecemos ser verdadeiros escravos da tecnologia (e uma das partes que mais gosto é aquela em que Linda debocha, após constatada a pane nos robôs da multimilionária PAL com o consequente sequestro de todos os seres humanos da Terra, de que ela está surpresa "afinal de contas, quem imaginaria que a indústria da tecnologia iria querer nos fazer mal?"). Ainda assim, a obra não é excessivamente moralista nessa análise, nunca deixando de lembrar da importância dos avanços nesse setor para que também a nossa evolução aconteça - e uma cena em especial em que Rick assiste, meio que por acaso, a um dos curtas de sua própria filha, reconhecendo ali uma metáfora para as suas próprias existências, é daquelas de fazer chorar até o mais duro dos corações.


Mas o clima geral é de diversão e mesmo as sequências mais tensas são carimbadas por alguma piadinha ou algum comentário social envolvendo algo relacionado à indústria cultural ou aos tempos que vivemos - seja o visual da máquina utilizada pelos vilões (que parece a capa de um CD do Journey), seja a ocorrência de uma família de vizinhos que parece saída de comercial de margarina (com suas vidas perfeitas virando posts impecáveis no Instagram), seja o maior antagonista da história se revoltando e reagindo da forma mais engraçada possível sobre uma... mesa! Tudo isso com uma trilha sonora maravilhosa e um grupo carismático de personagens. Essa foi a primeira animação com chances reais de ser indicada ao Oscar nessa categoria que assisti nesse ano. Ainda tenho muita coisa pra conferir mas, se depender apenas desse recorte, A Família Mitchell... já tem a minha torcida.

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