quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Cinema - Roda do Destino (Guzen to Sozo)

De: Ryusuke Hamaguchi. Com Kotone Furukawa, Kiyohiko Shibukawa, Shouma Kai, Katsuki Mori. Drama, Japão, 2021, 121 minutos.

Coincidências. Casuísmos. Encontros inesperados. Acontecimentos aleatórios. Quebras gerais de expectativas. Nada é o que parece nas três narrativas curtas que integram o soberbo Roda do Destino (Guzen to Sozo) - obra dirigida por Ryusuke Hamaguchi (que também é o responsável pelo aguardado Drive My Car). Bom, aqui cada história funciona como um pequeno fragmento que evidencia a complexidade das relações, com ênfase em eventos fortuitos que podem ser transformadores. Trata-se de uma experiência densa, eventualmente enigmática e, invariavelmente, pouco óbvia. A vida, vamos combinar, também é assim: ilógica, imprevisível, capaz de nos levar deste para aquele lugar em segundos. E esse panorama do cotidiano, do quase ordinário, das subidas e descidas em escadas rolantes, da descoberta de um amor onde não se esperava, da decisão meio equivocada, da palavra mal dita, da atitude calculada, Hamaguchi tece com destreza, com sofisticação, apostando em diálogos e em olhares.

Sim, porque em um filme como esse, tudo aquilo que a gente imagina que possa acontecer, talvez não aconteça. "Tudo muda o tempo todo no mundo" já diria Lulu Santos e a nossa existência não seria, ao cabo, um sem fim de imprevistos? Um exemplo bem dado desse expediente está no terceiro curta, que conta a história de uma mulher que, perto dos 40 anos, retorna a sua cidade de origem para participar de um reencontro escolar. Meio deslocada no evento, ela aproveita a estada para um passeio pelo local quando, no caminho para a estação do trem, totalmente por acaso, ela esbarra em uma amiga da juventude. Aliás, uma amiga que parece ser muito mais do que uma amiga. Só que aquilo que soa como uma coincidência inesperada, se torna ainda mais esquisito quando ambas percebem que, na realidade, não se conheciam tanto assim. Destino? Sorte? Arbitrariedade? O caso é que uma volta ao passado que teria tudo para ser melancólica, se torna o motivo para reavivar esperanças, sonhos, anseios.


É claro que nem tudo é otimismo na teia que propõe o realizador. No segundo conto, vale mencionar, ocorre uma frustrada tentativa de sedução de uma jovem chamada Sasaki (Shouma Kai) que, ao menos aparentemente, pretende se vingar de seu professor universitário (Kiyohiko Shibukawa) - um homem mais velho que escreveu um livro em que trechos bastante eróticos servem de isca para fisgar novos leitores. Do equívoco totalmente casuístico, surge um ponto em comum entre os dois - mas que não deixará de lhes levar a pequena ruína. O mesmo vale para a jovem Meiko (Kotone Furukawa) que, na primeira história, descobre que a melhor amiga está interessada em um ex-namorado - e as decisões que ela tomar dali pra frente, diante das informações que têm, podem determinar o futuro de todos. Ou não! Afinal, a vida é camada sobre camada e a gente no meio de tudo, como uma bolinha de pinball de fliperama.

Tecnicamente simples, com aquela fotografia empastaleda típica dos filmes orientais, a obra aposta em longos diálogos e em infinitos planos-sequência, que exigem uma boa "coreografia" dos atores. É uma obra, portanto, de atuações. De atenção aos detalhes. Aos gestos. Aos olhares. O que de forma alguma torna a apreciação cansativa, já que cada história não ultrapassa os 40 minutos. "Vivemos em um mundo em que coincidências acontecem constantemente. [...] Se eu não inserisse as coincidências, não estaria representando o mundo real", afirmou o diretor em entrevista durante a exibição do filme no Festival de Berlim, de onde a obra saiu com o Grande Prêmio do Juri. E, vamos combinar que poder conferir uma obra tão poética, só aumenta a expectativa para Drive My Car - que está na pré-lista do Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira.

Nota: 9,0

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