segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Novidades em Streaming - A Filha Perdida (The Lost Daughter)

De: Maggie Gyllenhaal. Com Olivia Colman, Dakota Johnson, Ed Harris e Dagmara Dominczyk. Drama, Grécia / EUA, 2021, 123 minutos.

Nos últimos anos não foram poucas as obras que ousaram discutir - ou até desconstruir - o ideal romântico da maternidade. De ensaios literários como Contra os Filhos da chilena Lina Meruane a estudos como Mães Arrependidas da israelense Orna Donath, parece haver, ao menos atualmente, uma maior naturalidade na hora de se debater o papel da mulher na sociedade que, em muitos casos, se vê pressionada a ser mãe, mesmo não sendo esta a sua vontade. Sim, o tema é tabu, é complexo, e certamente vale ser debatido. Afinal de contas, como afirma Leda (Olivia Colman), a protagonista de A Filha Perdida (The Lost Daughter) em certa altura da projeção "as crianças são uma esmagadora responsabilidade". É uma resposta que ela dá a uma personagem chamada Callie (Dagmara Dominczyk) que está achando meio inacreditável o fato de Leda estar em uma bela praia grega sozinha. Sem a família, no caso. Sem outras companhias físicas. Sem marido xarope, em criançada gritando, sem adolescente azucrinando.

Leda parece, afinal, ser daquelas mulheres que apreciam a própria companhia. O que, mesmo em tempos de conquistas, de tantos avanços como os que vivemos, ainda gera certo estranhamento no entorno. Uma jovem senhora de quase cinquenta anos, acompanhada de seus livros, fazendo anotações, saboreando uma boa bebida, desejando usufruir de um pouco de silêncio. "Qual será o problema dela?" é o que parece transparecer o olhar de todos em volta. E é aqui que está a meu ver, mais um dos tantos atrativos da narrativa baseada na obra da (misteriosa) escritora Elena Ferrante. Afinal, ainda parece haver certo preconceito em relação às pessoas que apenas optam por não estarem aglomeradas em família. Como se houvesse algo errado. O que talvez explique o comportamento mesquinho daquela família numerosa que está próxima de Leda, em seus dias de férias. Dias estes que se tornarão um tanto turbulentos quando alguns eventos estranhos começarem a acontecer.


E aqui não quero gerar nenhum tipo de click bait em quem tem dúvidas sobre dar play no filme - que marca a engenhosa estreia da atriz Maggie Gyllenhaal na direção. Por "eventos estranhos" leia-se pequenos acontecimentos que interromperão a rotina de todos ali, que mexerão nas estruturas, que desestabilizarão a todos por alguns momentos, mas que dialogarão com as temáticas propostas pela obra. Há, por exemplo, em certo altura, o desaparecimento de uma criança pequena na praia - o que deixa todos, naturalmente, desesperados. Em outro instante, Leda é afrontada por um grupo de adolescentes que insiste em fazer o máximo de algazarra possível em uma sessão de cinema improvisada. Um inseto que aparece do nada, uma pinha que cai de uma árvore, o farol que faz um persistente e incômodo barulho, as frutas podres que estão no cesto. Silenciosa, envolvente, cheia de sutilezas, a narrativa vai nos dando as pistas sem pressa, nos fazendo digerir temas variados como solitude, memória, afeto, escolhas pessoais, machismo da sociedade e, claro, a maternidade.

Perfeita como uma mulher de personalidade misteriosa, de comportamento ambíguo, Olivia Colman deverá ser figurinha fácil entre as indicadas ao Oscar na categoria Atriz (se não for uma das favoritas). Seu olhar que vai para lá e para cá e que parece provocar reações de ternura, de preocupação e de curiosidade, são capazes de dizer muito, ainda que nunca tenhamos certeza sobre o seu passado - e o que teria acontecido na relação dela mesma com as próprias filhas -, já que seu comportamento é permanentemente evasivo. Orbitando em relação a ela, a jovem mãe Nina (Dakota Johnson), o nativo Lyle (Ed Harris) e o professor Hardy (Peter Sarsgaard) serão a chave para que desvendemos, paulatinamente, quais os traumas, anseios, desejos e frustrações que acompanham a protagonista. Trata-se ao cabo de uma obra elegante, bem conduzida, de fotografia primaveril e de trilha sonora evocativa que retrata a maternidade - e toda a sua complexidade, seu caráter imprevisível, suas nuances - de forma surpreendentemente corajosa.

Nota: 9,0

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