quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Cinema - A Crônica Francesa (The French Dispatch)

De: Wes Anderson. Com Bill Murray, Frances McDormand, Benicio Del Toro, Tilda Swinton, Adrien Brody e Timothée Chalamet. Comédia / Drama, França, 2021, 107 minutos.

É muito provável que poucos diretores dividam tanto a opinião dos fãs de cinema quanto o Wes Anderson. Dono de uma assinatura própria, de um estilo que pode ser facilmente reconhecido, o realizador é, eventualmente, taxado de presunçoso - especialmente pelo abuso das trucagens técnicas em suas obras. Mas quem gosta - o meu caso - gosta muito. E aguarda cada nova produção com a carteirinha de fã permanentemente atualizada. E, vamos combinar, que em A Crônica Francesa (The French Dispatch), Anderson entrega tudo. Tudo que se espera de suas produções está lá, desde os personagens excêntricos e de comportamento extravagante, passando pela fotografia colorida e cheia de contrastes, até chegar na predileção pelos enquadramentos de câmera que buscam centralizar absolutamente tudo - objetos, figuras -, em uma espécie de arquitetura geometricamente perfeita que, aqui e ali, quase nos fazem ter a impressão de estar diante de uma pintura. De um quadro.

E talvez não seja por acaso que, nessa busca pela perfeição técnica quase matemática, milimetricamente calcudada, o diretor invista na recombinação de tantas artes ao mesmo tempo, em sua mais nova invencionice. Por mais paradoxal que isso soe. Na trama somos arremessados para o pós-Segunda Guerra Mundial, num contexto em que um periódico americano - o French Dispatch Magazine - serve como veículo narrativo para uma série de pequenas (grandes) histórias contadas na modesta Ennui (aliás, eu adoro a piada com o nome da cidade, que significa "tédio" em francês). Só que como em qualquer localidade minúscula a beleza está nos detalhes, nas frestas e o que Anderson faz aqui é uma verdadeira carta de amor ao jornalismo (e talvez isso explique o meu completo envolvimento com a produção), ao narrar três histórias que comporão a última edição da revista após o trágico falecimento do editor Arthur Howitzer Jr. (Bill Murray, e quem mais seria senão ele?).

Cinema, escrita, turismo, artes plásticas, gastronomia, design, ciências políticas, sociologia. Em cada uma das três narrativas há espaço para avançar em temas relevantes culturalmente, mas que não deixam perder de vista a leveza. Ou sem deixar de lado o componente humano das relações. Na primeira dessas histórias, narrada pela exótica J. K. Berensen (Tilda Swinton) o preso Moses Rosenthaler (Benicio Del Toro) se torna um pintor famoso, atraindo a atenção de mecenas Julien Cadazio (Adrien Brody), que fará de tudo para tornar ele e sua "musa inspiradora" Simone (Léa Seydoux) famosos. No segundo segmento, a predileção francesa pelo pioneirismo em protestos políticos e busca por direitos civis ganha um certo tom de deboche no relato da jornalista vivida por Frances McDormand, que acompanha as "disputas" envolvendo os jovens Zefirelli (Timothée Chalamet) e Juliette (Lyna Khoudri). Por fim, acompanhamos o jornalista Roebuck Wright (Jeffrey Wright) que, na intenção de gerar material sobre o trabalho do chef de cozinha Nescafier (Steve Park) se envolve em um incidente de proporções épicas.

Contando ainda com um obituário do editor falecido e de uma espécie de guia turístico que apresenta a cidade (narrado por Owen Wilson), a obra não deixa de ser também, a sua maneira, uma espécie de homenagem meio nostálgica à frança - e o fato de Wilson ter participado do maravilhoso Meia Noite em Paris (2011), de forma tão apaixonada pela cidade no filme de Woody Allen, só me faz crer que essa também é uma daquelas piadas involuntárias recorrentes na filmografia de Anderson. Levando ao limite os tradicionais travellings laterais e circulares, que costumam estabelecer a lógica de enquadramento de seus personagens e que funcionam, inclusive, como recurso narrativo - que nos levam da melancolia ao sorriso em questão de segundos quando, inesperadamente, algum gracejo brota na tela -, Anderson nos entrega uma experiência aberta, autorreferencial, sensorial e absurdamente inventiva. Você talvez não simpatize tanto. Mas não custa tentar. Por aqui, seguimos a cada dia mais apaixonados.

Nota: 9,0

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