sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Livro do Mês - Hibisco Roxo (Chimamanda Ngozi Adichie)

Livro de estreia de Chimamanda Ngozi Adichie, Hibisco Roxo foi o meu primeiro contato com a obra da autora nigeriana. E, admito que fiquei impactado pelo microcosmo apresentado pela escritora que, ao mesmo tempo que propõe um mergulho lateral em um País pós-colonial militarizado, também evidencia as consequências do sincretismo religioso que coloca frente à frente as tradições mais primitivas dos povos africanos - suas crenças, seu folclore, sua cultura -, em contraste com o catolicismo branco, colonizador e, de alguma forma, opressivo. Sim, pode parecer bastante complexo, mas todos esses componentes são apresentados a partir da história de um pequeno núcleo familiar com a narradora, a adolescente Kambili Achike, sendo confrontada com uma série de eventos que ocorrem no entorno - e que envolvem outras figuras, como o pai Eugene (um empresário conservador/cristão), o padre progressista Amadi e, especialmente, a tia de Kambili, a professora universitária Ifeoma.

Com apenas 15 anos, Kambili ainda não é capaz de compreender a forma como agem os adultos - e o que os move. Educada a ferro e fogo pelo pai, um sujeito tão ortodoxo que não permite que a jovem ouça músicas que não sejam as da Igreja ou que utilizem seu (raro) tempo livre para atividades prosaicas típicas da juventude, Kambili cresce em um universo regido pelo fanatismo religioso que, não tardará, transbordará para a violência doméstica. Eugene não aceita, por exemplo, que Kambili e seu irmão Jajá visitem o avô Papa Nnukwu, já que ele acredita que o idoso poderá influenciar os jovens em suas crenças - como religioso de matriz africana. Da mesma forma, Eugene submeterá a própria esposa Beatrice a uma série de pressões psicológicas e de agressões (inclusive físicas) que, aos poucos, desintegrarão o núcleo familiar. Mas que servirão, paradoxalmente, para uma espécie de amadurecimento meio na marra da jovem protagonista.

Aliás, a respeito disso, será justamente após um evento violento na residência dos Achike, que Kambili e Jajá serão enviados para uma pequena temporada na casa da tia Ifeoma e de seus três filhos Chima, Amaka e Obiora. Lá, se depararão com um contexto em que as crianças são estimuladas para a curiosidade, para as descobertas, em uma rotina de maior liberdade, uma vez que, como professora universitária, Ifeoma surge como uma figura oxigenada, progressista e de uma leveza comovente (com uma gargalhada fácil sempre no rosto). Irmã de Eugene, ela é o seu oposto, ainda que pratiquem a mesma religião - e será esse contraponto entre o anacronismo e o contemporâneo que modificará a personalidade de Kambili para sempre, fazendo-a desabrochar, tal qual os hibiscos roxos que, metaforicamente, são descritos nas páginas. E esse sentimento de "liberdade" será ampliado quando ela conhecer o já citado jovem padre Amadi, por quem a menina se apaixonará.

Em meio a tudo isso, o avanço do Governo Militar também alterará a rotina da família, já que Eugene, além de empresário do ramo de biscoitos e de sucos, é detentor (curiosamente) de um jornal progressista de nome Standard - que não se furtará a fazer, em seus editorias, a crítica ao sistema (especialmente através da figura do editor Ade Coker). E, como não poderia deixar de ser, esse panorama também contribuirá para uma espécie de derrocada familiar - com os conflitos maiores influenciando diretamente no dia a dia dos Akiche. De escrita saborosa, vertiginosa, Hibisco Roxo é uma obra de formação que funciona como uma poética aula de história e de geopolítica da Nigéria - mas sem soar excessivamente acadêmica. E tudo isso nos apresentando uma coleção de personagens complexas, cheias de ambiguidades e nada maniqueístas. Simplesmente essencial.

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