segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Cinema - O Homem Ideal (Ich bin dein Mensch)

De: Maria Schrader. Com Maren Eggert, Dan Stevens e Sandra Hüller. Drama / Comédia / Ficção científica, Alemanha, 2021, 105 minutos.

Pode parecer meio óbvio afirmar que O Homem Ideal (Ich bin dein Mensch) é algo tipo a Alemanha tentando fazer um episódio de Black Mirror - e por mais reducionista que esse pensamento seja, ele ajuda o fã de cinema a entender o tipo de material que encontrará no filme da diretora Maria Schrader. Aliás, a trama lembra bastante a do episódio Be Right Back, o quarto da primeira temporada da série britânica (e que é aquele que uma jovem participa de um experimento que lhe possibilita trazer de volta à "vida", em uma versão sintética, o namorado morto em um acidente de trânsito). Aqui, a ideia é semelhante e envolve a paleontóloga Alma (Maren Eggert) que, para obter fundos para a pesquisa que está realizando, aceita receber em sua casa um robô humanoide. Esse ciborgue é uma cópia idêntica a um ser humano e tem como único propósito levar à felicidade a seu par, respondendo à absolutamente todos os comandos de seu parceiro - no caso, aqui, a própria Alma -, da forma mais satisfatória possível. Isso não deveria ser algo maravilhoso? Bom, talvez em partes...

Afinal de contas, a química (ou não) de um casal é uma equação complexa, e que invariavelmente envolve uma série de fatores. Uma pessoa bonita pode ser apenas isso, uma pessoa bonita. Especialmente se não houver outros predicados que nos atraiam. E essa discussão que propõe o filme de Schrader - o enviado da Alemanha ao Oscar desse ano -, é o que torna essa experiência cinematográfica tão envolvente. Porque, afinal de contas, é uma obra que conversa com todos nós. Casados, solteiros. Quem tá na fila, quem tá no Tinder. Quem sonha em se apaixonar. Ou mesmo quem está sozinho, focado em outras coisas. Mas que não fechou seu coração para qualquer investimento do tipo. Alma parece fazer o perfil mais niilista, quase misantropa. Alguém que não acredita muito no sucesso das relações - ao menos não num padrão muito convencional -, o que faz com que se foque em seus esforços no em que atua. Tanto que só aceita em participar do experimento com a intenção de levantar recursos para dar continuidade às suas pesquisas sobre a escrita cuneiforme muito antes de Cristo.


Cética, ela aceita receber o robô meio a contragosto - ainda que fique um tanto quanto maravilhada na empresa de tecnologia que produz o humanoide (e que também é capaz de criar hologramas). Em tempos de total ausência de responsabilidade afetiva e de uma descrença meio generalizada na solidez de relacionamentos, logo fica claro o fato de Alma não acreditar no fato de um robô ser a sua solução secreta para uma união saudável. O resultado disso é o fato de a protagonista não apenas humilhar o seu novo hóspede sempre que pode, mas também de lembrá-lo o tempo todo de que ele é apenas uma máquina. E uma máquina feita apenas para satisfazer seus desejos. E, não por acaso, a obra nos possibilita uma série de reflexões sobre o tema - e, particularmente gosto muito da sequência em que Alma protesta contra aquilo que ela considera uma relação de "faz de conta" entre eles. E quem nunca viveu algo assim na vida real? Um amor de faz de conta, de aparências, inconsistente?

Nos pegando o tempo todo no contrapé, a obra busca analisar a complexidade da química das relações - seus anseios, frustrações, medos, necessidades, desejos -, sem chegar a um veredicto definitivo. As coisas são como são e podem depender dos acasos, do imprevisível, do inesperado (e aqui reside uma das forças da narrativa). Perfeito com um robô, Dan Stevens sustenta os modos maquínicos de um ciborgue, ao mesmo tempo que faz com que nos importemos com os seus sentimentos, ao passo que Eggert, como de praxe, é competente na caracterização de uma mulher de personalidade forte, que sabe o que deseja, mas que não esconde as tristezas, quando elas são catalisadas. Sim, talvez não haja grandes novidades aqui - nada que ficções existencialistas como Ela (2013) e Ex-Machina: Instinto Artificial (2014) ainda não tenham abordado. Mas a meu ver, com o avanço permanente da tecnologia, das revoluções proporcionadas cotidianamente nesse setor, esse tipo de assunto nunca se esgota. E, aqui, o resultado é um filme sensível, abstrato e convincente.

Nota: 8,5

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