sexta-feira, 31 de julho de 2020

Pérolas da Netflix - Frances Ha (Frances Ha)

De: Noah Baumbach. Com Greta Gerwig, Adam Driver, Mickey Sumner e Michael Zegen. Comédia dramática, EUA / Brasil, 2012, 86 minutos.

É muito provável que vocês já tenham tido a sensação de estar parados, estagnados no mesmo lugar enquanto, ao redor, o mundo acontece. É um tipo de sentimento que faz com que pareçamos menores do que tudo. Em nossa volta, as pessoas estão conquistando, estão consumindo, estão chegando na vida adulta com os boletos em dia, enquanto compram casas espaçosas e programam dois ou três filhos para as próximas temporadas. Nas redes sociais, as vidas parecem alegres, há uma evolução constante. Não há tempo pra olhar pra trás. É preciso se reinventar, crescer e amadurecer. Nem que seja meio na marra. Nem que seja batendo cabeça diante da dureza do mundo, que nos deixa fragilizados, ansiosos, inseguros. Assistindo a um filme como Frances Ha (Frances Ha), a vontade que temos é a de entrar na tela pra dar um abraço na protagonista porque, meio perdida em um mundo que avança freneticamente, ela parece sempre atrás em relação a todo o resto. Andando meio torta, como são os passos claudicantes de suas aulas de dança.

Crescer, mais especificamente, amadurecer, não é fácil. A gente vê muitos sonhos desabarem. Muitos degraus descidos. Como se estivéssemos em nosso Mito de Sísifo particular, a pedra nunca chega nem perto do topo da montanha nos fazendo encarar a nossa diminuta existência em um mundo sem sentido, desconexo, guiado por religiões, instituições, ideologias e sistemas políticos delirantes, que olham todo mundo mais ou menos da mesma forma. Não cresceu que chega? Não evoluiu? Não chegou lá? Culpa TUA. Tu que não te esforçou o suficiente. E esse ideal é replicado nas rodinhas de conversas de universitários descolados, que não escondem a preferência pelo Partido Novo. Tudo isso acontecendo, enquanto o teu maior desejo DO MOMENTO, talvez seja finalizar a leitura de Em Busca do Tempo Perdido de Proust. Em francês talvez. Prazeres da vida que entram em conflito com as contas que não param de chegar e que geram um vazio de existência - e de armários.


Sim, um olhar mais crítico pode taxar Frances Ha como um daqueles romances de formação white people problems em que a jovem de classe média tenta se enquadrar, enquanto saltita alegremente pelas ruas de Nova York, ao som de Modern Love, do David Bowie. Mas ali, nas entrelinhas daquele preto e branco meio saturado, tem uma obra com crítica social sutil, que de alguma forma analisa a hipocrisia das classes mais abastadas, que, eventualmente, sepultam sonhos para se "vender" para o status quo. A protagonista - vivida num misto de vigor, ingenuidade e delicadeza por Greta Gerwig -, sonha em ser dançarina. Viver da sua arte. Não consegue emplacar na companhia em que persistentemente atua. Vê o sonho ir desmoronando. Enquanto a melhor amiga vai morar no Japão com um bem remunerado marido empregado do mercado financeiro, vai morar com outros dois jovens artistas. Uma boa casa, conforto, mas inalcançável para o padrão de vida daquela jovem, que, ao final, se vê aos 27 anos num albergue, sem muito futuro, sem relacionamento ou a vida acontecendo a contento. Ela indo parar uma temporada na casa dos pais.

É uma obra de nuances essa do Noah Baumbach (que mais tarde passaria o rodo com o seu História de Um Casamento). É uma espécie de fábula moderna que lança um olhar carinhoso para a juventude cheia de frustrações, que transa e tem amigos, mas tem dificuldades para olhar para frente de forma madura, com a dor da certeza de que seus ideais de vida serão, cedo ou tarde, quebrados. Lembra da música Como Nossos Pais? do Belchior? É mais ou menos como se ela se encontrasse com o livro Liberdade do Jonathan Franzen: o "sonho americano" é um ideal que nem sempre está ao alcance de todo mundo. Mas, como acontece para muitas pessoas, Frances vai insistir, tentar, acertar e errar, chorar e brigar com a melhor amiga. Vai se considerada "inamorável" por um dos amigos - pelo seu jeito, pelo seu comportamento. Mas em algum lugar lá perto dos 30 anos, de tanto bater na trave as coisas talvez aconteçam, ou não. O mundo seguirá girando. Sem a necessidade de ir pra Paris apenas por ir. Pra dizer que foi, já que, é muito melhor quando tudo acontece naturalmente. Ainda que não exatamente como desejávamos.

2 comentários: