terça-feira, 21 de julho de 2020

Foi um Disco que Passou em Minha Vida - MAE - (m)orning(a)fternoon(e)vening

MAE é acrônimo de Multi-Sensory Aesthetic Experience, um nome corajoso. Imagine a expectativa ao apertar o play para uma Experiência Estética Multissensorial. Muito pior é a tarefa de resenhar um álbum que se propõe a ser mais do que um amontoado de melodias, harmonias e ritmos. Já diria Olavo Bilac, o Príncipe dos Poetas, que "a forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve". Portanto, com a mesma pretensão, talvez demasiada, me dispus a escrever uma resenha-conto. O que você vai ler abaixo é um resumo temático, uma interpretação livre da história que é contada neste álbum dividido em três partes (originalmente lançados como EP's, em 2009). Cada parágrafo é uma música, a história se mantém. Aqui, você encontrará uma experiência estética, a narrativa. Se do seu agrado for, busque a sonora, nas plataformas de streaming.

MORNING:

Está difícil dormir. Ouço todo som, cada movimento que a casa faz. Fui até à praia, com meu violão e aquele velho bloco de notas amarelo. Havia um homem parado à beira-mar, um pescador, pronto para o trabalho, seu barco e sua vara de pesca. Quando percebi, estava na embarcação, junto com essa figura velha e triste. Em um piscar de olhos voltei à areia e, de alguma forma, sabia exatamente como terminar minha música, ou pelo menos sabia o refrão: todos precisamos de amor.

São bonitas, as chamas. A casa pegando fogo, um fogo firme, intenso. Tiro um fósforo do bolso, o chão está absorvido pela gasolina. Risco, acendo e deixo aquele calor me infectar por completo. O fogo é meu, dentro de mim, consumindo. Hora de agir, explodir.

- Você é meu bumerangue. Sempre um vai e vem, um jogo de atirar e pegar. Mas, dessa vez, inesperadamente, você não vai voltar. E eu não vou tentar te alcançar.

É a sua música tocando. Você ouve o piano ou o pulsar da bateria? É dentro dessa melodia que ficamos tão apegados a nossa memória. É possível ir além, no tempo e no espaço, e produzir milhões de novas lembranças?

Meus amigos dizem que vivo dormindo, sonolento. Eu funciono melhor à noite, mas sinto falta do amanhecer. Por muito tempo digo não e, mesmo assim, há algo novo crescendo dentro de mim. Vou acordar e decidir: chuva ou raio de sol. Sempre soube que estava perdendo algo, vou levantar, sentir o sol e fazer tudo de novo.



AFTERNOON:

"Podemos resolver nossos problemas de forma pacífica”, acordei pensando. Mas as paredes nos separam. Não há espaço para compromisso? Estamos em lados opostos e ficamos assim, sempre. Sempre. O próximo mês, a próxima estação não vai nos trazer solução. Já estamos em diferentes sintonias. Estivemos assim, sempre. E assim resistimos, desistindo ou lutando, sempre. Acabou.

Nossa casa é um ringue. Você sequer me ouve e já tira conclusões. Eu fugi por tempo demais, está na hora de confrontar. Estamos colidindo e não me importa o que há do outro lado. Estou certo! Está certa! Estou certo de que haverá outra luta. Nós poderíamos fazer concessões, paciência é uma lição tão simples. Iremos aprender? Você nunca aprende. Você vai bater, errar e dar de cara no chão. Você nunca aprende. Estou certo! Está certa! Estou certo em sair.

Nos conhecemos em uma noite quente de verão. Nosso futuro era tão simples, eu seria a melodia e você a harmonia. Se você quisesse o centro do palco e eu aceitaria ficar ao seu lado, cantando nas arquibancadas. Fizemos planos, mas éramos uma constante contradição. Uma dissonância. Hoje eu lembro de tudo em pedaços, refaço todas as cenas em minha mente. Quando foi que estivemos destinados ao fracasso? Vivíamos brigando e hoje eu que recolho os pedaços. Sempre vou estar aqui, juntando pedaços.

Estava cansado de andar em círculos à procura de algo novo. Você estava lá, parada, esperando que eu me apaixonasse. Eu descansei em você. O seu amor era incrível. Eu estava cansado e você me trouxe a cura. Agora, me deixa cuidar você. Ninguém vai te amar mais. Nosso amor sempre será a cura.

Eu nasci em 82, filho de um homem pobre. Tudo que ele deixou para mim foi a música, este cálice. Quando partiu, disse que estava indo para uma praia distante, que agora eu tinha a chave, mas precisava descobrir qual era a porta. Algum tempo depois a minha alma estava seca e triste, eu já não podia ouvir a sua voz, mas eu juro, eu o via em uma praia e ele dizia que a comunicação estava em mim, eu deveria ver através. E eu precisava matar minha sede, então tomei do cálice de meu pai. O gosto era de uma melodia, como se uma grande multidão cantasse de volta para mim que a comunicação está nos chamando, é o chamado do universo, é o que nos faz humanos. Só podemos ser melhores se aprendermos a olhar em nosso interior. No dia em que fui à praia e conheci aquele pescador sábio pude entender o que ele dizia e finalizar a minha canção. Era a voz dele: todos precisamos de amor…. e comunicação.

EVENING:

Deitado no chão, vejo que as nuvens estão sorrindo e uma brisa percorre o céu. As estrelas estão brilhando como se me dissessem “o dia acabou”. Sinto como se estivesse flutuando junto com os navios e lembro que quando nos conhecemos, éramos um farol para os solitários. Olhávamos o sol queimar o céu e nos aquecíamos, o mundo era nosso. Hoje, perdemos tudo. Mas o amor vai encontrar uma forma de florescer.

Eu me lembro, era 95 e eu dirigia até aquela pequena cidade. Você ficava me esperando na calçada de camisola. Ficávamos sentados na grama durante tanto tempo que eu via a grama crescer, poderíamos esperar lá até o inverno. Eu só queria que você soubesse. Viajamos à noite, pegamos qualquer estrada, cantamos nossas músicas favoritas e fazíamos de tudo para ficarmos sozinhos. Eu só queria que você soubesse. Era claro para mim: tudo estava como deveria ser. Olhávamos os fogos de artifício, fazíamos planos, quando fiquei de joelhos e peguei tua mão. Você se lembra da sensação? Eu só queria que você soubesse.

Você é o frio que congela meus ossos. Eu fico tão desarmado quando você me liga e quando você parte eu me sinto tão sozinho. Eu queria ter a poção para o feitiço que você causa em mim. Eu amo e odeio o jeito como você me deixa. Eu nunca soube que estava prestes a me deixar. E agora ela vai, na velocidade da luz. Era tudo um sonho? Ela fez tudo parecer um sonho. Ela era um sonho.

Eu comecei a dormir quase de olhos abertos. Ouvi uma quieta melodia de esperança que entrava pelos meus ouvidos. A gotículas de dor ressoavam a mesma coisa: durma bem, durma bem essa noite. Tudo em que eu acredito e tudo que eu sei que podemos fazer começa novamente com um novo dia e começa com nós dois. Vamos ficar quietos e roubar essas inúmeras horas de silêncio, afirmando que as estrelas são nossas. Eu sei exatamente o que elas cantarão: durma bem, durma bem essa noite. Você não vai dormir bem essa noite.



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