Acho que o que torna História de Um Casamento (Marriage Story) tão especial é o fato de, inevitavelmente, olharmos para nós mesmos enquanto acompanhamos o desgastante processo de separação que envolve o casal Nicole (Scarlett Johansson) e Charlie (Adam Driver). Afinal de contas, quem nunca rompeu um relacionamento e teve de lidar com toda a quebra de expectativas, as dúvidas e as frustrações que decorreram dessa experiência? Nesse sentido, a obra de Noah Baumbach (de A Lula e A Baleia e Frances Ha) é um prodígio que trata não apenas o tema, mas as pessoas envolvidas nele - com suas virtudes e imperfeições -, com todo o carinho. Não há lado certo na história. Ambos lutam por aquilo que acreditam ser o melhor. Erram e acertam. São empáticos e egoístas, se atacam e sorriem constrangidos. Tentam proteger o filho Henry (Azhy Robertson) e compreendem a importância do outro em suas vidas, o que é comovente. Choram. E como choram. Assim como nós choraremos. Pelo filme. Por algum relacionamento que terminou inesperadamente, enfim.
É uma obra que tem a sua força em um roteiro soberbo, extremamente bem organizado e que é recheado por ótimos diálogos, o que permite que atores da qualidade de Johansson e Driver entreguem o seu melhor - e as indicações para o Oscar a ambos em suas categorias é certa. Driver está perfeito como o diretor de teatro levemente presunçoso e extremamente emotivo, que olha demais para si e para suas preferências, ignorando os desejos da esposa - ainda que seja um bom e paciente pai, seja inteligente, organizado e saiba cerzir as suas meias. Já Scarlett é a atriz de TV promissora que abandona a carreira e se muda para Nova York para, ao lado do marido, trabalhar no teatro. É uma mulher afetuosa, que dá ótimos presentes, é responsável por cortar o cabelo dos integrantes da família, brinca interminavelmente com seu filho e dança. E nos arrebata com a sua entrega. Enfim, peessoas diferentes, com algumas semelhanças, competitivas em igual medida e que se amarão muito. Muito mesmo. Até acabar. Como é a vida.
No primeiro terço do filme algumas memórias se espalharão nos fazendo entender os motivos de ambos gostarem um do outro. Se amarem. Dali para diante, a obra se ocupará da burocracia da separação, suas papeladas, seus advogados nem sempre éticos e as opiniões dos familiares - um tipo de sobrecarga que aumentará ainda mais a dor. Aliás, a trama nos faz perceber como essa eventual invasão de privacidade perpetrada por legisladores que, em tese, deveriam desejar o melhor para seus "clientes", faz mal. São apenas clientes afinal e Laura Dern e Ray Liotta estão muito bem como os advogados que defendem as partes, protagonizando, em audiências exaustivas, algumas das melhores sequências. E, falando em sequências, tecnicamente a obra também é meticulosamente bem realizada, ao investir em enquadramento eventualmente oblíquos e em longos planos, que grudam a câmera na cara de seus protagonistas, nos tornando tão íntimos de suas dores que a experiência se torna quase sufocante. Em uma cena em especial, que começa amistosa e termina com Charlie e Nicole tendo a sua pior discussão, a dor das palavras absurdamente ditas no calor do momento para ferir, para machucar, se confunde com o isolamento sentimental e a dor devastadora que explica o fato de ambos encontrarem acolhimento em si próprios ao final desse ato. Enquanto nós, do outro lado, já estamos em prantos.
Discutindo ainda temas como alienação parental, adultério, separação de bens, futuro dos filhos em caso de separação e memórias afetivas, o filme alterna momentos mais leves com outros de grandes profundidade emocional. E outros metafóricos, como a cena do portão por exemplo. O "alívio cômico" fica por conta da presença insinuosa da mãe de Nicole, Sandra (Julie Hagerty) que, assim como a irmã Cassie (Merrit Wever), considerei meio exageradas (e até caricatas), dado o tom mais sorumbático com que a película evolui - o que fica claro especialmente na cena em que um envelope deve ser entregue à Charlie. No mais a trama avança com Charlie viajando interminavelmente de Nova York à Los Angeles, com ambas as partes tentando reunir os elementos que permitirão obter a guarda do filho - e, enfim, seguir em frente. E, nisso, seguirão cenas de escritórios de advocacia, escritórios frios, muita perda econômica e um martírio que parece não ter fim. Martírio esse que só chegará próximo de uma solução, quando ambas as partes reconhecerem o fato de que o relacionamento pode ter acabado, mas a vida segue. E para que ela seja melhor para aqueles que dependem deles, que seja com menos rancor possível. Afinal de contas, como revela as comoventes cartas escritas pelos protagonistas, talvez eles nunca deixem de se amar. Ainda que as circunstâncias impeçam uma vida juntos.
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