É muito provável que, nos dias de hoje, um filme como Atração Fatal (Fatal Attraction) sequer fosse feito. E, se fosse feito como foi, certamente seria alvo de uma enxurrada de críticas, sendo rapidamente cancelado na internet. Mas, é necessário analisar as obras de arte - ultrapassadas ou não -, também no contexto em que elas surgiram. E, digamos que esse nicho, o dos filmes com mulheres (ou amantes) surtadas, paranoicas, loucas e adúlteras, fez muito sucesso no final dos anos 80 e começo dos 90. Aliás, o diretor Adrian Lyne foi um grande expoente dessa vertente "drama de casal classe média americana às voltas com problemas conjugais", tanto que filmou Proposta Indecente (1993) e Infidelidade (2002), além do clássico soft porn 9 1/2 Semanas de Amor (1986). Sim, hoje tá tudo datado. O discurso de mulher neurótica que só encontrará a felicidade nas mãos de um homem já expirou há um bom punhado de décadas. Mas eu tenho uma confissão a fazer: pra mim Atração Fatal, como "terror passional", assistido de forma descompromissada, segue funcionando direitinho.
E acho que posso falar que boa parte do público cinéfilo concorda comigo. A obra é de arrepiar, e a Glenn Close, na pele da executiva Alex Forest está assombrosa - tanto que há quem insista na tese de que o Oscar e Melhor Atriz naquele ano foi parar nas mãos erradas (Cher levou a estatueta pra casa pelo nem sempre lembrado Feitiço da Lua). Alex é colega de trabalho do advogado Dan Gallagher (Michael Douglas, quem mais?), um sujeito casado com a simpática Beth (Anne Archer), com quem tem a filha Ellen (Ellen Hamilton Latzen). Prestes a comprar uma casa nova e pronto pra viver o sonho americano, o homem cai na asneira de ter um caso de uma noite com Alex, num final de semana em que esposa e filha estão viajando. Close está insinuante, com seu olhar sempre ambíguo e enfumaçado e cabelos volumosos, sendo bastante direta nas suas intenções. Os dois acabam na cama, se divertem, riem juntos, mas... a vida continua? Não para Alex, que quer mais do que ser amante. Rejeitada, decide transformar a existência de Dan e de sua família num inferno.
Eu volto a dizer que, por mais verossímil que esse roteiro possa, eventualmente, parecer, hoje em dia ele soa absurdo, misógino, antiquado, equivocado. Foi apenas uma noite, mas Alex, num excesso furioso de carência, se torna o "demônio encarnado". Passa a fazer persistentes ligações para o trabalho de Dan. O visita em horários inesperados. Envolve a família, bagunça rotinas. Persegue, ameaça, gera uma grande instabilidade em todos que rodeiam o protagonista - tanto que seu arrependimento, é transmitido no formato de um carinho quase transcendental e extremamente devotado à esposa. Ele rateou MUITO. Sabe disso. E precisará de um esforço enorme para que tudo aquilo que ele ama, não se esfacele. Mas esse quadro se chama Grandes Cenas do Cinema e quero falar de uma das mais inesquecíveis (e violentas) sequências promovidas por um "vilão" de filme: que é o instante em que Alex resolve mostrar seus "dotes culinários", fervendo VIVO o coelhinho de estimação de Ellen.
Essa sequência ocorre no terço final. A família já se mudou para uma nova e idílica casa, mas a vida já virou de cabeça pra baixo, com Alex não sossegando na sua persistência. Com as ameaças e as tensões crescentes, o trio resolve fazer um passeio para visitar a mãe de Beth. É no retorno pra casa, que tudo acontece: Ellen vai correndo pelo quintal até gaiolinha onde está - ou deveria estar -, o seu mais novo animalzinho de estimação. Ao mesmo tempo, Beth entra em casa e percebe que algo está, estranhamente, fervendo sobre o fogão (sendo que ninguém estava em casa). Ela abre a panela no mesmo instante em que a menina chega ao local que deveria estar o coelhinho. A trilha sonora sobe, a edição é perfeita. O grito é inevitável. E daí pra frente o terror só vai piorar. Na época a cena foi tão marcante que a expressão bunny boiler passou a ser utilizada para definir figuras instáveis emocionalmente, obsessivas, especialmente do ponto de vista dos relacionamentos. Aliás, o termo é utilizado, de forma bem humorada (e machista, diga-se), até hoje, tão marcante que foi o ato.
Alex Forest foi, no fim das contas, uma figura tão violentamente perturbadora e inesquecível dentro desse "nicho", que uma votação feita pelo American Film Institute (AFI), a colocou como a sétima melhor vilã da história, à frente por exemplo, de Michael Corleone (vivido por Al Pacino em O Poderoso Chefão), o computador Hal (de 2001: Uma Odisseia no Espaço) e até o perturbado Alex De Large (excêntrica figura encarnada por Malcolm McDowell, em Laranja Mecânica). Como filme, já dissemos mais de uma vez nessa resenha: a narrativa tá ultrapassada, cheia de comentários machistas nas entrelinhas e até de um preconceito xenófobo nada velado (no caso, em relação aos japoneses). Mas, na época de seu lançamento, o filme caiu nas graças do público e também da crítica, que lhe deu várias nominações para o Oscar, ainda que não tenha havido vitórias. Sobre a Glenn Close, o papel pavimentaria o caminho para uma bem sucedida carreira, que culminaria no Oscar pelo filme A Esposa (2019).
Não entendi a menção a xenofobia japonesa. Poderia explicar?
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