sexta-feira, 10 de julho de 2020

Picanha.doc - Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado (Mucho Mucho Amor: The Legend Of Walter Mercado)

De: Cristina Costantini e Kareem Tabsch. Documentário, EUA, 2020, 96 minutos.

Quem cresceu nos anos 90 sabe que a TV brasileira foi, de muitas formas, bastante excêntrica nessa década - com variações que iam da banheira do Gugu à Tiazinha do H, passando pelo Aqui e Agora até chegar ao Ratinho descobrindo a existência de um... homem grávido. E era no intervalo de uma ou outra dessas bizarrices televisivas - exibidas alegremente nas tardes das "famílias de bem", com os adolescentes espichando o olho para o conteúdo que misturava violência social, cultura suburbana e soft porn -, que o combo ficava completo quando surgia na tela um sujeito extravagante chamado Walter Mercado. Era a época dos 0900, em que as pessoas discavam para telefones aleatórios, pagavam alguns centavos e tinham em troca algum tipo de gravação generalista, que poderia lhes auxiliar a (tentar) amenizar as dores e os anseios do mundo. Como astrólogo, Mercado prometia respostas a partir dos astros. "Ligue djá!" era o seu bordão. As pessoas ligavam. Mercado, ou algum de seus quatro mil assistentes atendiam. O ciclo se completava.

Mercado era famoso no Brasil, mas muito mais famoso em outros lugares do mundo - inclusive nos Estados Unidos. E o que o documentário Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado (Mucho Mucho Amor: The Legend Of Walter Mercado) pretende é prestar uma justa homenagem a um sujeito exótico que, assim como surgiu para a TV como um furacão andrógino - com suas capas suntuosas, penteado de tia-avó e brilho fosforescente -, desapareceu dela. Quase misteriosamente. E uma parte do filme é dedicada justamente à briga judicial que o astrólogo teve com um de seus empresários, que praticamente lhe "roubou" os direitos de imagem, fazendo-o cair no ostracismo em meados dos anos 2000. São alguns dos pontos que dão alguma pimenta à película dirigida por Cristina Costantini e Kareem Tabsch, que não fazem nenhuma questão de esconder que, aquilo que estamos acompanhando, é, afinal, um grande tributo ao biografado, sempre retratado como uma figura afável, amistosa e até ingênua em alguns momentos.


Mesmo assuntos mais espinhosos - como a sexualidade de Walter -, são tratados de forma meio apressada, como que para não gerar nenhum desconforto. De qualquer forma, o fato dele ter sido (re)descoberto pelos millenials - seja por meio de memes ou outras trucagens da internet -, não deixa de ser evocativo da importância que figuras de gênero indefinido tem, na atualidade. Em certa altura um dos ativistas entrevistados dá a entender que Walter não "saía do armário" porque a opinião pública o massacraria nos preconceituosos e conservadores anos 60 e 70, quando começou a fazer fama para além da sua Porto Rico natal. Nos dias de hoje seria uma pessoa amada e símbolo da diversidade, certamente. E de alguma maneira é o que acompanhamos nos últimos (e otimistas) minutos do filme, quando a sua carreira é celebrada em uma mostra que comemorava os 50 anos de sua estreia televisiva. Uma estreia que, por sinal, foi em programas de humor, esquetes de teatro. O astrólogo afetado, pomposo, divertido viria mais tarde. E cativaria a todos.

Trata-se, em linhas gerais, de um filme leve - o famoso feel good movie. Voltando no tempo, o documentário volta às origens humildes de Walter, e de como teria iniciado a fama como "curandeiro". Em meio a tiradas bem humoradas do próprio, parentes, jornalistas, empresários, produtores de TV, amigos pessoais e outras figuras que gravitaram o astrólogo, vão dissecando sua personalidade, seu comportamento, seu estilo de vida - cheio de botox, de vitaminas, de figurinos multicoloridos, de joias caras e de maquiagem carregada. É uma obra bem feita, bem montada, que utiliza recursos técnicos inteligentes (caso da animação), para ilustrar épocas em que são escassos os materiais de arquivo. E que joga alguma luz a uma personalidade que foi relevante, que teve uma trajetória marcante no mercado esotérico. Fosse nos dias de hoje, o bordão Ligue Djá! seria trending topic no Twitter, inspiraria blogueirinhas de celebridades. Para quem cresceu nos anos 90, é fruto da memória nostálgica que se forma em meio a lembranças enfumaçadas de bandas de axé e de pagode, do Fantasia e de concursos da gata molhada.


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