Ideologia política revolucionária baseada na crítica à dominação capitalista, o anarquismo é o pano de fundo para o filme Os Anarquistas (Les Anarchistes), do diretor Elie Wajeman. Mas, é preciso que se diga que a obra apresenta uma espécie de "anarquismo paz e amor", com o sistema sendo mostrado a partir de uma história excessivamente elegante, com fotografia refinada, jogo de luzes bem construído e visual bem apurado. O que seriam características de importância em um filme de época, parecem diluir, em partes, o impacto do debate político de um período - mais precisamente o final do século XIX - em que, recém iniciada a segunda Revolução Industrial na Europa, também tomavam forma os primeiros movimentos operários e as inaugurais discussões estratégicas com vistas a consolidar o sindicalismo e (tentar) equilibrar a balança entre trabalhadores e empregadores - algo que, perceberíamos mais de um século depois, não ter sido contemplado a contento, dada a permanente voracidade dos líderes políticos em retirar dos trabalhadores os seus direitos há muito conquistados. Inclusive no Brasil.
Ou seja, o filme teria um grande potencial, com um significativo tema político. Mas parece ter ficado aquém da grandeza almejada, ao não conseguir transmitir um clima de época que, muito provavelmente era de permanente violência, com perseguições a revolucionários e centenas de mortes. É tudo muito bonito. Quase poético. Que nem parece estarmos diante de uma obra que pretende jogar luz ao período mais importante do próprio anarquismo, que é a Segunda Onda, iniciada, não por acaso, na França em que se passa a película. Não tô defendendo aqui que o filme devesse ser sujo, violento, sanguinário ou ideologicamente raivoso. Mas é muito provável que a suposta "mensagem" pensada para o filme acabe passando despercebida em meio aos casos de amor entre os anarquistas, imagens e enquadramentos convencionais e a sutileza dos acontecimentos. Parece faltar certa visceralidade, apenas.
A trama envolve o sargento Jean (Rahim), que é encarregado de se infiltrar em meio a um grupo de anarquistas de Paris, com vistas a faturar uma promoção caso tenha sucesso na empreitada. Só que o problema é que ele, a despeito da desconfiança de alguns integrantes, faz amizades e logo desperta o interesse (também amoroso) da jovem revolucionária Judith (Exarchopoulos). Assim, enquanto o homem se aproxima dos anarquistas e dos seus ideais - nutrindo uma espécie de empatia - também passa a se questionar sobre a importância e o resultado que será alcançado pela tarefa desenvolvida. Algo acentuado pela paixão por Judith. Em algum sentido, a obra se assemelha muito ao espetacular alemão A Vida dos Outros (2006) - vencedor do Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira - que também tem a sua poética própria, mas com uma lógica muito maior de existência, já que, os observados pelos comunistas da Alemanha Oriental - aí também uma diferença diametralmente oposta - eram artistas (escritores e atores).
Evidentemente que a película passa bem longe de ser ruim e tem valor nas referências culturais da época e nas cenas de encontros em locais do espaço público para debate a respeito da questão anarquista. Também os questionamentos por parte do grupo de anarquistas sobre a presença de Jean entre eles, renderá um arco dramático interessante e de algum suspense. O mesmo valendo para o bom elenco, encabeçado pelo sempre competente Rahim - visto nos potentes O Profeta (2009) e O Passado (2013). Ainda assim, nada superará o impacto do terço final, quando as decisões do sargento modificarão a vida de todos, ao mostrar que as vontades políticas daqueles que têm mais força, superam, com quilômetros de "vantagem", àqueles que puxam a corda pelo lado mais fraco. Sempre foi assim. E, nesse sentido, a lição, como num contraponto, fragilizada durante toda a projeção, ganha força justamente onde ela mais precisava: em seu momento decisivo. Pra quem assiste os créditos subindo, fica a comoção pelo que se viu.
Nota: 7,4
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