segunda-feira, 20 de junho de 2016

Pérolas do Netflix - Bo Burnham: Make Happy

Em determinado momento da obra-prima Hannah e Suas Irmãs o personagem vivido por Woody Allen, um hipocondríaco que pensa estar a beira da morte, busca de forma urgente um sentido para a sua vida - o que enfim acontece ao assistir um filme dos irmãos Marx no cinema, numa declaração apaixonada ao fazer artístico e o seu poder de transformar vidas ou, ao menos, torná-las mais suportáveis. Confesso que este tipo de epifania me tomou de assalto em uma dessas madrugadas da vida ao assistir o especial de stand up comedy da Netflix intitulado Bo Burnham: Make Happy. Quando dei por mim estava completamente absorto, rindo de gargalhar sozinho e me emocionando com as peripécias do jovem humorista Bo Burnham, de apenas 25 anos de idade, tendo a certeza de estar em frente a uma performance única e especial.

Quem acompanha o nosso site sabe do meu apreço por stand up comedy, o que considero uma das artes mais difíceis de se realizar: o artista e um microfone frente a uma plateia enorme com o imenso desafio de fazê-la rir com o seu monólogo milimetricamente roteirizado - mesmo que isso não seja evidente para o espectador. Mas aqui a questão é um tanto diferente: após um prólogo um tanto melancólico, somos levados ao palco onde acompanharemos Burnham, que irá utilizar dos mais variados subterfúgios para prender a atenção de seu público, seja no uso constante da música, recursos interpretativos que apelam para o humor físico, efeitos de luz e - o mais importante - seu dom como intérprete e compositor musical. Seja emulando um Eminem cantando hip hop, ou até um Elton John nas sensacionais performances ao piano, o humorista dá um verdadeiro show de versatilidade e inteligência que surpreende devido a pouca idade de seu criador.


Dono de uma auto-ironia mordaz, Burnham sabe como ninguém interagir com a plateia em seus temas muitas vezes delicados e representativos de uma sociedade cada vez mais fragmentada por questões como misoginia, racismo, xenofobia, dentre outros. Seja na fantástica e emocionada performance da música Straight White Man, onde ele narra as "desventuras" e dificuldades de ter nascido homem, branco e heterossexual e ter que lidar com minorias exigindo seus direitos, num exemplo precioso da característica descrita no início deste parágrafo ("Igrejas nunca me fizeram ter vergonha do que eu sou", "Nunca fui parado a força para ser revistado em busca de drogas", queixa-se) ou na hilária emulação da música country de boutique americana, mais ou menos como o nosso sertanejo universitário, onde clichês são repetidos à exaustão por pessoas que nunca viveram a realidade da vida no campo que deu origem ao estilo musical.

Trazendo um tipo de humor que não lembro de ter visto até então, podemos considerar Bo Burnham como uma das maiores promessas do humor contemporâneo, trazendo frescor e originalidade a um tipo de performance até então carente de ineditismo. Não bastasse, o clímax final a lá Kanye West, onde vai até as últimas consequências sobre os problemas que a lata de batata Pringles representa para o consumidor (que não percebe os problemas do mundo a seu redor), bem como o estresse gerado por um burrito mal preparado em um restaurante de fast food mexicano, é absolutamente hilário e tragicômico. Refletindo no palco a necessidade inerente de cada ser humano em querer ser aceito e admirado, Burnham leva o seu humor aparentemente vazio a um patamar ainda mais elevado - revelando uma maturidade e visão de mundo extremamente consciente e crítica de seu autor. Mais uma grande sacada da Netflix, e uma pérola que recomendamos sem hesitar.

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