Em linhas gerais esse é o assunto do imperdível documentário The True Cost. Se já havíamos ouvido falar do fato de que certas camisetas e calçados que usamos eram produzidos por pessoas - homens, mulheres (em sua grande maioria) e crianças - de países pobres, pode-se dizer que o filme consolida esta ideia, apresentando ainda os obscenos detalhes de como funciona esse mercado que visa, exclusivamente, o lucro. E o lucro de poucos. Se já nos deparamos com peças de roupas de R$ 20 ou R$ 30 - não as de brechó, evidentemente -, produzidas por grandes marcas, é muito provável que elas sejam industrializadas em países "emergentes" como China, Camboja e Bangladesh. E, sem um mínimo que seja de regulamentação de mercado, o livre comércio - tão defendido por aqueles que acreditam que a força de um País está, unicamente, no seu Produto Interno Bruto (PIB) - fica com caminho livre para que os países mais industrializados (e ricos) cometam abusos, sem que se sintam responsáveis diretos por tragédias como a do Rana Plaza. É mais ou menos essa a lógica da terceirização - tão debatida (e defendida) pela "família de bem odiosa" ou por parte da juventude política anacrônica que toma por base apenas o lucro e que, nesse caso, tem a frente o empresariado -, que nada mais significa que não a precarização de uma relação pautada pelos quilômetros de distância existentes entre capital e força de trabalho.
Apresentando números estarrecedores - como aqueles que dão conta do fato de o consumo de roupas ter crescido 400% nos últimos vinte anos ou sobre suicídios envolvendo produtores de algodão (mais de 250 mil nos últimos 16 anos, só na Índia) - o jovem diretor Andrew Morgan, que conseguiu viabilizar o filme por meio de financiamento coletivo no Kickstarter, coloca o dedo na ferida, ressaltando o fato de todos os integrantes deste mercado possuírem certa "parcela de culpa" nesse sistema. Inclusive - diria até que, muito especialmente - nós, consumidores. "Se antigamente costumávamos comprar de três a quatro camisetas por ano, atualmente adquirimos uma por fim de semana, por conta dos preços considerados 'mais baixos'", salienta um dos executivos entrevistados. E, tudo isso, sob a ilusão de que, consumindo, seremos mais felizes, mais descolados e mais importantes. Sendo que, verdadeiramente, estamos ficando mais pobres, desiludidos e deprimidos pela necessidade de TER, tão cara a modernidade.
Além de dar voz a executivos, jornalistas, professores, economistas, designers, ambientalistas e empresários, além de pessoas que trabalham em regimes de subserviência, Morgan enriquece ainda mais o seu trabalho ao apresentar o ciclo completo de um sistema que inicia em lavouras de milhares de hectares de algodão transgênico - que recebe diariamente muitos litros de venenos diversos - até chegar a fábrica de onde sai o produto e aos luxuosíssimos desfiles de moda. Sem aliviar nas imagens de maior impacto - especialmente naquelas relacionadas a protestos e greves de trabalhadores -, o diretor questiona o modelo capitalista, que costuma conceder ao empresário um poder quase ilimitado, por este estar simplesmente gerando emprego. Como se este fosse uma espécie de "bem-feitor" e como se os lucros estratosféricos, obtidos por meio da miséria desoladora, da dor, da precariedade e da distância da família, por parte dos
Em uma época em que, no Brasil, direitos trabalhistas há muito conquistados, parecem estar no limite da destruição por parte do governo interino - sob a desculpa da necessidade de "equilibrar as finanças e fortalecer a economia" (que nada mais é do que a visão tecnicista voltada a deixar aquela pequena fatia de ricos, ainda mais ricos, com o trabalhador em condições cada vez mais fragilizadas), um filme como The True Cost serve como uma bela reflexão sobre a forma como nos comportamos em meio a esse ecossistema carniceiro chamado "sociedade de consumo". E se o futuro parece desolador, é preciso saudar iniciativas como as da empresária Safia Minney, da agência People Tree, que emprega pessoas tendo por base o espírito colaborativo, os salários mais justos e a sustentabilidade ambiental. Ou mesmo os debates acalorados de ativistas como a jornalista Livia Firth, que promove palestras disseminando estas mesmas ideias. Se conseguirmos, nós mesmos, repensar os nossos hábitos, modificar a nossa forma de consumo tão materialista (e individualista) e contribuir para um mercado mais justo e menos desumano - quem sabe até mesmo optando por pequenos empreendimentos-, bom, este pode ser um bom começo. Depende de todos nós.
dica categoria show de bola; valeu!
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