quarta-feira, 29 de junho de 2016

Novidades em DVD - O Dono do Jogo (Pawn Sacrifice)

De: Edward Zwick. Com Tobey Maguire, Liev Schreiber, Michael Stuhlbarg e Peter Sarsgaard. Biografia / Drama, EUA, 2014, 115 minutos.

Devo admitir que tinha grande expectativa para este O Dono do Jogo (Pawn Sacrifice), mas as irregularidades da obra dirigida por Edward Zwick são tantas, que fica praticamente impossível analisar o resultado final como positivo. A trama, baseada em fatos reais, conta a história do norte-americano Bobby Fischer (Maguire), jovem enxadrista de grandes habilidades, que resolve desafiar os jogadores russos que, no início dos anos 70, eram considerados os melhores do planeta. Na época, Boris Spassky (Schreiber) simbolizava justamente o enxadrista ao mesmo tempo frio (quase siberiano) e arrojado, que era tido pela imprensa como praticamente invencível. Não bastasse a rivalidade esportiva natural entre nações, especialmente em um período em que o xadrez era exibido nas TVs do mundo com grande audiência, o contexto era beligerante por conta das manobras envolvendo Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria.

E, nesse sentido, reside o primeiro grande problema do filme. Ainda que a Guerra Fria já seja (talvez) um tanto quanto batida no que diz respeito ao debate ideológico, a apresentação desse contexto é realizada de forma um tanto quanto econômica. Conforme Fischer vai se sentindo "acossado" pelas pressões externas que parecem haver sobre ele - no caso, para que seja um jogador realmente eficaz e capaz de superar não apenas os seus demônios, mas também os russos -, em nenhum momento fica evidentemente claro de onde estão vindo estas pressões. São do Governo? Do exército? Do Associação de Xadrez? Dos familiares? Bobby tem uma infância complicada? Sim. Tem comportamento infantilizado e recluso? Também. Mas parece faltar ainda uma motivação A MAIS, que acaba ficando ainda mais paradoxal diante do comportamento autoconfiante e até mesmo arrogante do sujeito.



Tobey Maguire, a meu ver, por mais que tenha sido elogiado por alguns setores da crítica por sua caracterização, jamais consegue alcançar, com suas caras, bocas e jeitão de "guri" a complexidade da personalidade de Fischer. A comoção que deveria ser causada no espectador por seu comportamento obsessivo, esquizofrênico, delirante, se torna não mais do que caricata ou ingênua, na maior parte das sequências. Algo reforçado pelas tenebrosas escolhas para a trilha sonora - que utiliza como músicas algumas canções de rock e blues do período -, e que jamais conseguem contribuir para que se crie o clima de suspense ou tensão almejado. Aliás, essa falta de identidade melhor definida enquanto gênero, se consolida como outro grave problema do filme. O que deveria ser um drama potente sobre o uso do esporte como demonstração de "força" (não bélica, claro) durante a Guerra, se torna (quase) uma comédia sem graça em muitos momentos - especialmente naqueles em que o padre (vivido por Sarsgaard) e o agente (Stuhlbarg) se tornam equivocadíssimos "alívios cômicos". (e quem assistiu a um filme como Ponte de Espiões, de Steven Spielberg, saberá o que é uma construção elegante e complexa do mesmo período, ainda que a trama envolva um "fiapo de história")

Falhando monstruosamente ainda nas cenas em que os jogos são mostrados, Zwick consegue a proeza de não deixar clara absolutamente NENHUMA jogada exibida - e isso que, em muitos momentos é utilizada uma esquisita e fragmentada câmera lenta. Sim, ainda que o jogo não seja o foco principal do filme - funcionando apenas como parte estrutural do arco dramático secundário - a consolidação do uso da imagem para tornar um pouco mais claras as ideias dos jogadores, talvez contribuísse para que se forjasse um clima de tensão que, no fim das contas, jamais se estabelece. Assistir a Fischer e Spassky realizando a derradeira série de 24 jogos decisiva, se torna, quase como num contraponto, uma tarefa exaustiva para quem assiste. (não à toa, as pequenas paranoias de Fischer em busca de escutas, microfones ou câmeras que representassem qualquer tipo de sabotagem ou perseguição da "ameaça comunista", se tornam apenas esquisitices em meio ao jogo nada emocionante)


Pra não dizer que a obra é um completo desastre, Schreiber, com o habitual talento e, dadas as limitações de tempo em tela de seu personagem, se esforça para caracterizar Spassky como um sujeito de personalidade complexa e dotado de uma ética particular. Da mesma forma, a recriação cenográfica da época, ou mesmo a fotografia amarelada e em alguns momentos fria, combina totalmente com um jogo que requer concentração total por parte dos enxadristas. O mesmo já não pode ser dito da claudicante edição, que faz sobressaltos abruptos e inclui cenas desnecessárias no corte final. Bobby Fischer, com seu comportamento errático, carreira vitoriosa e certo ativismo político presente em frases e manifestações - "A história do país é basicamente o quê? Ganhar algo do nada. Certo? Tomar. Matar. Eles invadiram o país; roubaram as terras dos indígenas", disse ele certa vez - certamente merecia uma biografia melhor. O xadrez, então, que raramente aparece no cinema, nem se fala. Infelizmente não foi dessa vez.

Nota: 3,3

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