Em Há Tanto Tempo, Juliette é uma mulher recém-saída da prisão, depois de 15 anos. Acolhida pela irmã e pelo cunhado pouco receptivo, esta ex-médica passa a viver de favor, tendo de acompanhar a difícil acomodação do casal que acaba de adotar duas crianças vietnamitas. O quadro que se delineia na casa já aponta para uma instigante trama sobre o “eu” e o “outro”, sobre aquele que, a princípio, acolhe, sobre aquele que é acolhido e, principalmente, sobre o que esse acolhimento exige de cada um.
Talvez muitos tenham visto o filme. Mesmo assim, quero poupar os que não viram do spoiler que estrutura/desestrutura a narrativa. E, depois, como toda boa obra, o filme está repleto de perguntas que um provável pré-julgamento poderia romper. O diretor é generoso com a protagonista e permite ao espectador que simplesmente a acompanhe e sinta sua solidão e medo. Então, quando finalmente descobrimos a verdade, estamos mais abertos ao drama cruel que ela esconde.
As perguntas que o filme provoca remetem ao que faríamos por amor e mesmo sobre o que é este sentimento. Mas esta questão se desdobra para o fato de que, como dito na introdução deste texto, temos de arcar com aquilo que decidimos. Assim, Juliette passa a viver no ostracismo e sob a ótica daqueles que só conseguem julgar o ato em si, mas não o que levou a isso.
Em tempos em que a intolerância se manifesta em todos os campos, em que debatemos sobre os direitos que temos – e pouco sobre os deveres – Há Tanto Tempo Que Te Amo é um poema duro que mexe com o nosso tabu mais incrustado. A sociedade estabelece lugares, tarefas e, inclusive, se julga capaz de dizer o que devemos e o que não devemos sentir. Com isso, qualquer ruptura no que parece ser a ordem do nosso sacrifício de estarmos vivos, funciona como uma bomba no cotidiano. Nesse contexto, Juliette vaga, meio etérea, sem culpa e culpada ao mesmo tempo.
O filme tem altos e baixos e poderia evitar alguns clichês. Mesmo assim, vale muito a pena. Destaco a relação entre as duas irmãs: a que luta para criar o quadro da família “comercial de margarina” e a que perdeu tudo e quer recomeçar a partir da perda. Através dessas personagens, ressoa sempre a pergunta: quanta coragem é preciso ter para fazer o que temos de fazer?
Texto: Rosane Cardoso
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