quinta-feira, 9 de junho de 2016

Lado B Classe A - Dirty Projectors (Swing Lo Magellan)

Sempre que vou ouvir pela primeira vez alguma banda que não esteja ainda familiarizado, costumo escutar os trabalhos - se forem em maior quantidade - em ordem cronológica. A meu ver esta parece ser uma forma de (tentar) entender como o artista evoluiu (se é que isto ocorreu) com o passar dos anos, ou mesmo quais as mudanças percebidas dentro de sua obra, e que podem estar relacionadas à bagagem artística, a resposta da audiência ou mesmo a maturidade alcançada. No caso do Dirty Projectors, devo admitir que comecei pelo final. Descobri a banda nova iorquina, após algumas leituras e indicações, justamente a partir de seu mais recente registro, o majestoso Swing Lo Magellan, lançado em 2012. E é preciso que se diga que, se talvez tivesse "começado pelo começo" (com o perdão do péssimo trocadilho), não estivesse aqui escrevendo mais esse Lado B Classe A.

Isto porque o primeiro trabalho de David Longstreth e companhia, chamado The Glad Fact (2003), é experimental ao extremo. Arranjado como se fosse uma colagem de sonoridades e conceitos esparsos e pouco audíveis, o álbum, curiosamente, caiu nas graças da crítica, que gostou da proposta artística - ainda que pouco comercial - recheada de camadas e texturas que dialogavam não apenas com o lo-fi e o indie rock, mas também com outras vertentes, como o acid jazz e o folk. "Longstreth canta como um menestrel que será assassinado, como um sem-teto, ou como uma espécie de Morrissey em estilo yankee", comparou à época o Pitchfork. A proposta era convidativa, mas complexa, hermética e pouco acessível, polvilhada por vocais enevoados e metálicos e instrumental seco e caseiro, formando um bolo que parecia servir exclusivamente à mente inquieta de seu criador.



As esquisitices pouco convidativas prosseguiriam pelos três próximos registros - Slave's Graves and Ballads (2004), The Getty Adress (2005) e Rise Above (2007). E ainda que, aqui e ali, alguns elementos que marcariam a banda futuramente começassem aos poucos a dar as caras em alguma das curvas de cada um desses trabalhos - fosse à percussão inspirada por ritmos africanos ou tribais, o baixo onipresente e bem pontuado, as palminhas quase em substituição a bateria ou mesmo os saborosos vocais adocicados de Amber Coffman - o que ainda parecia predominar era a complexidade experimental, que tornava cada trabalho um tanto menos palatável. Foi somente com o ótimo Bitte Orca (2009) - para muitas publicações o melhor trabalho da banda -, que aquele muro que ainda parecia estar interposto entre músicos e audiência foi quebrado.

Como se tivessem sido iluminados por algum "sopro divino", os integrantes do Dirty Projectors conseguiram, assim, promover um encontro entre a complexidade do shoegaze e da música alternativa como um todo e a música pop, acessível, radiofônica. Experimente ouvir Stillness Is the Move, um dos singles de Bitte Orca, e diga se a canção não poderia fazer parte de alguma playlist de sucessos de R&B dos anos 2000 - ao lado de nomes tão distintos como Rihanna ou Vampire Weekend, especialmente no que diz respeito a parte instrumental. Adotando elementos da soul music e do rock noventista de guitarras certeiras, com algumas pitadas de música clássica e caribenha, além do canto coral, o grupo perfumou o trabalho com o que de melhor poderia haver no que diz respeito ao cancioneiro comercial, mas sem perder as suas origens e as características que tornam o conjunto um dos mais diferentes e inventivos da atualidade.


Pois se Bitte Orca representou uma quebra de paradigma, o fundamental Swing Lo Magellan significou o aperfeiçoamento do modelo, com uma série de canções de grande refinamento no que diz respeito ao uso de vocais mesclados, sussurrados e limpos, amparados por um instrumental claro e magnético - seja na adoção da guitarra estridente, da percussão hipnotizante ou do teclado sutil -, mas sem perder o caráter intrigante que sempre foi a base da formação musical de Longstreet, e que posicionou o quinteto naquilo que se convencionou chamar de freak folk. Canções como About to Die, Dance For You, The Socialites, Unto Caesar e Swing Lo Magelan - equilibradas entre o elétrico e o acústico, entre o urgente e o econômico - representam uma inventividade poucas vezes vista na música moderna. Em meio a um emaranhado de bandas muitas vezes repetitivo e enfadonho, em muitos casos pautado apenas pelo hype, o Dirty Projectors, mostrou atingir a maturidade musical no momento certo, levando ao mundo o seu melhor trabalho. Simplesmente imperdível.

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