De: Cacá Diegues. Com José Wilker, Betty Faria, Fábio Jr., Zaira Zambelli e Príncipe Nabor. Drama, Brasil, 1979, 102 minutos.
Ao lado de Salomé (Betty Faria) e Andorinha (Príncipe Nabor), Cigano integra a caravana Rolidei - o nome aportuguesado também vem ao encontro dessa dicotomia que coloca a brasilidade do povo, dos índios, das florestas e das belezas naturais como um contraponto ao supostamente pretendido "País do futuro", moderno, utópico, evoluído (ou apenas colonizado, uma nação que agora "tem neve") - que leva às pequenas cidades bem longe das capitais um show de mágica, de danças e de outras atrações como o "homem mais forte do mundo". Em uma das primeiras paradas o jovem Ciço (Fábio Jr.) fica encantado com o grupo, juntando-se a eles e levando a tiracolo a esposa grávida Dasdô (Zaira Zambelli). Hábil sanfoneiro, Ciço acredita nessa quimera artística como uma possibilidade de deixar a seca e a falta de oportunidades para trás. Ao lado do trio principal, se apaixonará pela misteriosa Salomé, ao passo que terá de lidar com as investidas de Cigano, que se afeiçoa de Dasdô.
Mas muito mais do que um filme de amor, esse é um filme de ruptura. Uma obra que reflete sobre algo que fica para trás, pelo caminho, para que possamos olhar pra frente - e, sinceramente, é quase impossível não estabelecer um paralelo com o contexto político do Brasil, à época, que com cerca de 15 anos mergulhado em uma Ditadura Militar, começava aos poucos a olhar mais carinhosamente para frente, para a abertura que viria mais adiante. "Bye, bye Brasil / A última ficha caiu / Eu penso em vocês night'n day / Explica que tá tudo ok / Eu só ando dentro da Lei / Eu quero voltar podes crer / Eu vi um Brasil na TV / Peguei uma doença em Belém / Agora já tá tudo bem" canta Chico Buarque na canção que dá nome ao filme, como que estabelecendo esse contraponto, essas idas e vindas e até algum grau de incerteza sobre aquilo que está por vir. E que dependerá do "povo do Século 21" para que permaneça uma perspectiva racional em meio à forte influência estrangeira.
E assistir uma experiência tão brasileira em tempos tão assombrosos como os atuais - de destruição da Amazônia, de assassinato de povos indígenas, de supressão de direitos e de desmantelamento generalizado de tudo que diga respeito ao nosso patrimônio - é constatar como esse road movie felliniano de Diegues segue dolorosamente atual. Alternando momentos mais cômicos com outros melancólicos, o diretor converte o filme em uma espécie de homenagem ao povo, seu esforço diário na busca pela felicidade, pelo dinheiro, pela comida na mesa - pela Altamira que simbolizará os dias melhores. "Os europeus, especialmente os franceses, viram isso como um filme triste sobre o fim de um mundo. Para americanos e sul-americanos, por outro lado, era um filme esperançoso sobre um novo modo de vida, uma cultura que acabara de nascer" afirmou Diegues em entrevista ao site Teleráma, como que que avalizando justamente a complexidade de interpretações possíveis para obra que, mais tarde, se tornaria a 19ª melhor da história para os votantes da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Tá disponível no Mubi e vale resgatar.
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