segunda-feira, 11 de abril de 2022

Cinema - Tre Piani

De: Nanni Moretti. Com Ricardo Scamarcio, Alba Rohrwacher, Nanni Moretti e Margherita Buy. Drama, Itália / França, 2021, 116 minutos.

Quem acompanha de perto a carreira de Nanni Moretti sabe que o diretor italiano trafega muito bem entre a comédia de costumes e o drama familiar - ás vezes na mesma obra, como no caso do recente Mia Madre (2015). Em Tre Piani, mais recente trabalho do realizador e que está em cartaz nas salas do País, a narrativa é dominada muito mais pelas situações dolorosas do que por aquelas que envolvam algum tipo de "respiro". Centrada na história de três famílias que vivem no mesmo condomínio de classe alta, a trama parte de um evento traumático para todos ali: dirigindo alcoolizado, o jovem Andréa (Alessandro Sperduti) atropela uma mulher ao tentar desviar de Monica (Alba Rohrwacher), uma grávida que pedia socorro na rua após a sua bolsa ter estourado. Como se a catástrofe não fosse suficiente, o rapaz ainda bate o carro na sala de Lúcio (Ricardo Scamarcio), gerando uma série de outros prejuízos - financeiros e emocionais.

Sim, porque o acidente faz com que Lúcio e a esposa Sara (Elena Lietti) passem a precisar muito mais da ajuda do vizinho idoso Renato (Paolo Graziosi) para que este cuide da pequena filha Francesca (Chiara Abalsamo). Só que, próximo dos 80 anos, o homem está passando por crises de demência aparente - e quando ele desaparece junto com Francesca, Lúcio passa a ter a convicção de estar diante de um crime sexual envolvendo a filha. Em um primeiro momento pode parecer tudo meio embaralhado, mas a intenção de Moretti, ao nos apresentar esse microcosmo social tão conectado, parece ser exatamente esse: a vida é feita de uma coleção de situações complexas, eventualmente inusitadas, com decisões nem sempre acertadas - e que poderão influenciar (e transformar) decisivamente a vida de todos os envolvidos. Parentes, vizinhos, amigos.

Andréa, por exemplo, se sente abandonado pela própria família, a partir da decisão de seu pai Vittorio (Nanni Moretti), um renomado juiz de Roma, em não abusar de seu poder para ajudar o filho - o que acarretará o afastamento do jovem, que é julgado e preso de acordo com o que prevê a Lei. Já Lúcio é seduzido pela bela adolescente Charlotte (Denise Tantucci), que é neta de Renato - vendo-se ele mesmo envolvido em episódio de suposto estupro. No filme de Moretti não parece haver muito espaço para olhar para trás e reavaliar a trajetória feita até ali. A vida é para frente e será necessário para todos ali encarar seus próprios traumas, amadurecer a partir deles, aprender a perdoar (ou não). Ter empatia quando necessário. E outras habilidades sociais em meio a um contexto em que as crises pessoais são encaminhadas de forma solitária, com abnegação.

Nessa teia em que as relações entre os personagens vão no limite do amor e do ódio é possível fazer um recorte que envolve o nosso próprio tecido social - cheio de pessoas, de ocorrências, de imprevisibilidades. Hábil, Moretti utiliza a sua câmera para "eviscerar" aquele contexto de vizinhanças desconfiadas, de familiares desagradáveis, de olhares de lado, de paranoias generalizadas. Muitas são cenas internas no condomínio, com moradores batendo a porta uns dos outros, ocupando espaços, dialogando. E envelhecendo também - o que é evidenciado pelos diversos saltos temporais, em que as feridas são enfim saradas e que as voltas dadas tornam a reequilibrar tudo. No mesmo ano em que mundo viu Titane (2021) faturar a Palma de Ouro em Cannes, Moretti apresentou a sua visão singular da sociedade que avança, nesse novelão que foi adaptado do livro do israelense Eshkol Nevo. Não chega a ter o impacto de um O Quarto do Filho (2001). Mas nunca há desperdício na filmografia de Moretti.

Nota: 8,0

 

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