De: Nanni Moretti. Com Nanni Moretti, Laura Morante, Giuseppe Sanfelice, Silvio Orlando e Jasmine Trinca. Drama, França / Itália, 2001, 99 minutos.
A inegável versatilidade do diretor e ator Nanni Moretti seria posta à prova com o clássico moderno O Quarto do Filho (La Stanza del Figlio) - uma das mais comoventes experiências cinematográficas sobre dor, luto, perda e memória desse começo de século. Famoso pelas comédias ácidas e verborrágicas, Nanni não costuma ter muitos pudores na hora de fazer a crítica aos políticos (O Crocodilo), à Igreja (Habemus Papam) e aos núcleos familiares conflituosos (Mia Madre). Aqui e ali, o realizador também pincela as suas obras com tintas autobiográficas, apostando também na metalinguagem como recurso. Ele mesmo superou um câncer linfático no passado, o que talvez o faça ver a vida com irreverência e melancolia em igual medida. "Quando escrevo um filme, costumo começar com coisas das quais eu me sinta próximo", afirmou certa vez em entrevista. E, a despeito da tragédia vista aqui, esse contraste também surge nos detalhes, nos pequenos encaixes cotidianos, que saltam da narrativa.
Em uma sequência, por exemplo, o psicanalista Giovanni (Moretti) está na mesa de café com a esposa Paola (Morante) e com a filha Irene (Trinca). O trio debate demoradamente sobre a beleza curiosa da sonoridade resultante do contato de uma raquete de tênis com a bola. Na impossibilidade de dimensioná-lo com precisão, o protagonista replica o barulho com a boca, estalando os dedos na bochecha. É aquele instante cotidiano amistoso e que serve também para delimitar o tipo de relação harmoniosa que existe naquela família - que é completada pelo filho Andrea (Sanfelice). Que por sinal, é o praticamente de tênis oficial. A obra começa alternando momentos aleatórios como estes, com as sessões ocasionais de Giovanni com os seus pacientes, em seu consultório. As queixas são variadas, os medos que sufocam (aqueles que, ao cabo, todos temos). Num certo dia Andrea é acusado pela diretoria da escola de furtar uma peça do museu do educandário. Nada excessivamente comprometedor. Nada que não impeça a vida de seguir seu curso naturalmente.
Só que em um domingo qualquer o protagonista opta por atender um paciente que está tendo uma crise de ansiedade após ter sido diagnosticado com um câncer - enquanto a família se espalha em meio à programas variados no dia de folga. Irene sai de moto, Paola passeia pelo parque, Andrea resolve sair pra mergulhar - e é com esse este último que a tragédia ocorre, sem que haja muito tempo para que o fato seja "digerido" por todos (e pelo espectador). Como se fosse um personagem de Dostoiévski, Giovanni passa a se consumir pela culpa - enxerga o filho em devaneios, em viagens meio absortas, enquanto se esforça para seguir atendendo aqueles que dependem de sua experiência profissional, para que seja mantida alguma qualidade de vida. O pai de família acredita que tudo poderia ter sido diferente se ele não tivesse escolhido quebrar o dia de folga para abrir um espaço em sua agenda para um atendimento. Pior, passa a odiar alguns de seus pacientes. Suas histórias mesquinhas, seus medos patéticos, ignóbeis. Impossibilitado de trabalhar, passa a ser também o marido meio impossível, o pai excessivamente preocupado com Irene. Qualquer ocorrência pode gerar algum tipo de memória desgastante, alguma tristeza inesperada.
E, nesse sentido, Moretti é pródigo em filmar o luto. Ainda que jamais torne demoradamente sufocante ou mesmo insuperável a dor daqueles que acompanhamos, o diretor não deixa de transformar o retorno da perda, como um amplo processo de reconstrução. Especialmente para uma família que estava em tão plena sintonia. Lá pelas tantas, Paola descobre uma carta endereçada ao filho morto: de uma "ficante", uma candidata à namorada. Resolve ir ao encontro da jovem, como forma de expiar o sofrimento, quem sabe. Retirar aquele fardo pesado, de algo que será, para sempre, mal resolvido. E que, aqui e ali, poderá simbolizar algum tipo de recomeço, dentro daquilo que esteja ao alcance. Uma ida à praia. Uma carona despretensiosa. Alguma amizade. Um parque de diversões. Um jantar. Ninguém esquecerá tudo o que aconteceu. Nem deixará de imaginar tudo que poderia ter ocorrido de forma diferente. Mesmo o "acidente" de Andrea nos desperta dúvidas... terá sido um acidente? Uma fatalidade? Uma falha de equipamento? Não há respostas. Aliás, a vida não costuma nos dar muitas respostas. E é aí que também reside a beleza dessa pequena joia do cinema italiano que, não por acaso, faturaria a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2001. De aplaudir de pé.
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