De: Julio Medem. Com Fele Martinez, Kristel Diaz, Peru Medem, Najwa Nimri, Nancho Novo e Beate Jensen. Drama / Romance, Espanha, 1998, 112 minutos.
Coincidências, acontecimentos aleatórios, situações inesperadas. O mundo que parece às vezes dar uma volta inteira pra retornar ao mesmo lugar. O tempo que dá a impressão de andar mais devagar nos dias frios. Em Os Amantes do Círculo Polar (Los Amantes del Circulo Polar), pequena joia disponível no Mubi, a região ártica surge frequentemente como uma metáfora para esse ciclo eterno que intercala inverno e verão, tristeza e felicidade, vida e morte. A imprevisibilidade, afinal, faz parte de nossa existência. Alguém que a gente conhece sem querer. Um desconhecido que passa pelo nosso dia e, ao final dele, é um novo amigo. Um interesse amoroso que, mesmo sem saber muito, já nos encanta. E é justamente isso o que ocorre com Otto (Peru Medem), um menino de apenas oito anos que é impactado pelo olhar de Ana (Najwa Nimri), após correr atrás de uma bola, em uma despretensiosa partida de futebol no pátio da escola.
Aquela bola que sobe e desce, esférica. Com três dimensões. Assim como o globo terrestre, o sol e muitos outros objetos que rimam perfeitamente com a ideia de volta, de ciclo, de completude. Enquanto cresce, Otto não entende porque seu pai Álvaro (Nancho Novo) deixou de amar a sua bela mãe (Beate Jensen). Só que quando um Otto já adolescente (Fele Martinez) vê seu amor por Ana consumado ele, de certa forma, também corta o laço que o unia a sua mãe. Com o desfecho dessa espécie de abandono involuntário sendo não menos do que trágico. Para a Ana adolescente (Kristel Diaz) também há um rompimento: Otto não é mais tido como uma figura masculina que substitui o pai. Ele tem voz própria. Que ecoará. Por anos, por mais de uma década. Em uma série de idas e vindas, de encontros e desencontros (ou de quase encontros, vá lá) em que tudo que parece ter sobrevivido é a memória do acontecido, a lembrança de algo arrebatador, a persistência de algo que nunca parece concluído de fato.
Otto e Ana. Ana e Otto. Dois nomes que podem ser lidos de trás pra frente como se lê de frente pra trás. Dois palíndromos. Dois fins que são começos, dois começos que são fins. Ou o contrário? Essa divagação filosófica que existe ali no andar de baixo da narrativa construída por Julio Medem se soma a outras extravagâncias visualmente metafóricas como o sol que, nos polos, nunca se põe, ou mesmo a ideia que a morte de alguém - mesmo de um ente querido - pode significar uma espécie de recomeço. Em outro local. Geográfico. Ou não. Enigmático, mas nunca pretensioso, o filme nos leva de lá pra cá como se estivéssemos diante de um filme de ficção científica dirigido por Pedro Almodóvar. Mas uma ficção discreta, não muito histriônica. Mas vibrante, ainda que a fotografia empalidecida, quase desbotada, possa sugerir o contrário.
Há, por exemplo, uma série de intervenções naturais ou não - seja de um vento forte e inesperado que aparece em um instante em que o coração acelera ou mesmo uma batida de carro meio boba, mas com enormes consequências -, que vão nos guiando de forma vertiginosa, em meio a instantes que flertam com o realismo fantástico (como no momento em que Otto, alucinando, tem a impressão de subir uma montanha gelada com esquis). Em outros segmentos a história de desenrola com uma fluidez plácida, com paciência, para que as coincidências possam ser melhor apreciadas pelo espectador - em meio a aviões de papel que, ali adiante, se converterão em um vôo real. Talvez não seja para todos os paladares, mas aqueles que se aventurarem encontrarão uma obra que fala de amor de uma forma nunca óbvia. E nos lembrando o tempo todo de que a vida, ao final, é essa grande coleção de fragmentos colados uns nos outros, recheados por situações inesperadas, caóticas, doces e amargas. tudo aquilo que converte a vida em uma experiência não menos do que mágica.
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