terça-feira, 26 de abril de 2022

Tesouros Cinéfilos - Assassinato em Gosford Park (Gosford Park)

De: Robert Altman. Com Helen Mirren, Maggie Smith, Kristin Scott Thomas, Michael Gambon e Emily Watson. Drama / Suspense, EUA, Reino Unido, Itália, 2001, 138 minutos.

Se Luis Buñuel tivesse filmado alguma obra de Agatha Christie é possível afirmar que o resultado, muito provavelmente, seria algo próximo a Assassinato em Gosford Park (Gosford Park) - clássico moderno de Robert Altman, que está disponível na plataforma Mubi. Altman se caracterizou por suas obras de elencos numerosos, tramas múltiplas, roteiros engenhosos e diálogos riquíssimos. Isso sem contar a predileção por reflexões mais existencialistas, ainda que em meio a pequenos microcosmos sociais - seja num cenário de guerra, como no clássico M.A.S.H. (1970), seja nos bastidores de uma rádio que realiza sua última transmissão, como ocorre no divertidíssimo e derradeiro A Última Noite (2006). Assim, para o diretor, um filme sobre um crime ocorrido em uma elegantíssima casa de campo inglesa no começo dos anos 30 do século passado, não é apenas um suspense pelo suspense, em que cabe ao espectador descobrir o assassino. Aqui tem-se uma experiência que desnovela a mesquinharia da aristocracia, ao mesmo tempo em que faz uma crítica corrosiva a essa elite tão ambiciosa quanto patética.

Sim, porque na casa de Gosford Park, cada convidado para o final de semana em companhia dos anfitriões William (Michael Gambon) e Sylvia McCordle (Kristin Scott Thomas) parece ter seu próprio interesse. E interesse financeiro, de preferência - seja a irmã falida que vive de uma pensão (a sempre ótima Maggie Smith), o cunhado totalmente inseguro que deseja ampliar os seus negócios (Tom Hollander) ou o produtor de filmes de Hollywood vivido por Bob Balaban. Nesse sentido, a reunião para luxuosos almoços e jantares e algumas atividades no campo - caso de uma caçada a faisões - parecem apenas desculpa para comportamentos presunçosos e uma existência de aparências, especialmente no que diz respeito à relação com mordomos, governanta, cozinheira e todos os outros criados. Fofocas, segredos prestes a vir à tona e outras intrigas vão dando movimento à narrativa, que flui de forma bem amarrada, mesmo em um universo de tantos personagens.


Aliás, quando o filme começa é quase impossível não ficar confuso com tantos cômodos, escadas e salões e tantas condessas, lordes, baronesas e comandantes circulando em meio a empregados que parecem tão perdidos em suas atribuições quanto o espectador. Mas Altman vai facilitando o nosso trabalho conforme a trama avança, apresentando cada núcleo aos poucos, nos deixando familiarizados com as figuras - e suas personalidades. É o caso por exemplo da ressentida Constance (Smith), que não hesita em reclamar de absolutamente tudo - da música tocada, ao tipo de geleia oferecida no café da manhã -, e do misterioso criado Henry Denton (Ryan Philippe) que, com seu ousado comportamento, trafega com naturalidade em meio aos ambientes que seriam destinados apenas à burguesia. É nesse contexto meio caótico que relações se misturam, pessoas distintas se encontram, classes lutam e interesses colidem. E um assassinato inesperado acontece. Tornando todos que ali se encontram em potenciais suspeitos.

Sim, esse tipo de narrativa até não chega a ser novidade, mas a personalidade que Altman imprime a sua história não apenas lhe concederia o Oscar na categoria Roteiro Original, na cerimônia de 2002, como lhe renderia outras sete nominações - duas delas para Helen Mirren e para a já citada Maggie Smith. É, ao cabo, uma experiência divertida e sinuosa, cheia de curvas meio imprevisíveis em que, para nós, só resta o deleite. Há um componente metalinguístico que costura a narrativa e que envolve o diretor de Hollywood que está acompanhado do astro de cinema Ivor Novello (Jeremy Northam). O que converte a experiência em um filme dentro do filme sobre um sujeito que deseja realizar uma história envolvendo um grupo de aristocratas em um casarão, que precisam lidar com a ocorrência de um assassinato. É só uma pitada a mais do debochado diretor, que entrega uma série de outras inesperadas piadas e comentários sociais sarcásticos, como na sequência envolvendo um prosaico "copo de leite". A quinta série pira. E o cinéfilo vibra. Vale (re)descobrir.

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