De: Andreas Fontana. Com Fabrizio Rongione, Stéphanie Cléau, Juan Trench, Ignacio Vila e Pablo Torre Nilson. Drama, Argentina / França / Suiça, 2021, 100 minutos.
"Essa cidade conheceu o caos meu amigo. Desde então, estamos passando por uma fase de purificação. Agora devemos reeducar todos os jovens. Mas, há certos elementos lamentavelmente irrecuperáveis. Há que se erradicar os parasitas, até mesmo nas melhores famílias, não concorda?" Dita pelo monsenhor Tatoski (Pablo Torre Nilson) ao banqueiro suíço Ivan de Wiel (Fabrizio Rongione) com voz plácida, de forma pouco apressada, talvez a frase pudesse passar um pouco mais batida em um outro contexto, que não o do auge da última Ditadura Militar argentina - que foi de 1976 a 1983. Tatoski, assim como tantos outros integrantes de um prestigioso clube de esgrima, é membro da elite do País vizinho. Aquele coletivo que vive em uma bolha de riqueza, em meio a mansões luxuosíssimas, festas pomposas, piscinas, gastronomia farta, boa bebida. E discussões vagas sobre o futuro do País - e sobre como o contexto político, econômico, social e cultural de dominação imposto por eles, garante a manutenção de privilégios e, consequentemente, o aumento da pobreza, dos contrastes, da miséria.
Sim, Azor (Azor), o ótimo filme do diretor Andreas Fontana - uma das novidades da plataforma Mubi -, mergulha de cabeça no regime militar dos hermanos, mas sem mostrar uma cena sequer que seja mais clara em termos de opressão, de perseguições a opositores políticos, de cassação de direitos, de violência escancarada ou de implosão das instituições. Encastelados em suas belas propriedades, os burgueses de Fontana são retratados como um grupo preocupado com seus próprios interesses - mas sem deixar isso necessariamente claro para o espectador. A nós, caberá ir juntando uma ou outra pista daquilo que vai nos sendo entregue na econômica narrativa - recheada por silêncios, composta muito mais por olhares (ou pelo não dito do que pelo dito) -, para montar o quebra-cabeças que, ao cabo, tornará tudo cristalino. E que é o fato de que, em qualquer País do mundo dominado por grandes empresários, banqueiros, políticos corruptos, representantes da Igreja e militares, quem se dá mal mesmo é quem ocupa a base dessa pirâmide.
Retirado da tranquilidade do País nórdico europeu, Wiel vai parar na argentina depois de, misteriosamente, o seu sócio no banco privado - um certo René Keys (Alain Gegenchatz) - desaparecer em meio a circunstâncias desconhecidas. Acompanhado da esposa Inés (Stéphanie Cléau), o protagonista precisa utilizar uma boa dose de jogo de cintura para manter os seus clientes - e na verdade retirar deles qualquer preocupação financeira que possa surgir dali pra frente -, ao mesmo tempo em que tenta descobrir o que possa ter ocorrido com Keys. E tudo piora quando ele vai a antiga casa do sócio e, sem obter muitas respostas, tem acesso apenas a alguns documentos que, talvez, possam lhe auxiliar a desvendar o caso. É tudo muito elegante, executado sem pressa, com Wiel trafegando de uma casa a outra, em campos, haras e outras luxuosas habitações, como uma espécie de Mastroiani em A Doce Vida (1960) - mas sem o senso de humor e o deboche perpetrados por Federico Fellini em seu clássico.
Nesse sentido, trata-se de um filme que não tem absolutamente nenhuma pressa em acontecer - e que se vale muito de seus diálogos que parecem não dizer muito, mas são reveladores (e, nesse sentido, vale ficar atento a cada trecho de conversa onde, por trás de alguma manifestação aleatória sobre a vida familiar, pode haver algum sinal que indique o rumo que Wiel para o sucesso de sua jornada). E será dessa forma, articulando aqui, se aproximando ali, recuando acolá que ele estabelecerá as bases de sua ação na Argentina. É como um jogo de xadrez executado em meio a jantares e conversas de gabinete, com a ditadura sendo explicitada de forma metafórica em ambientes claustrofóbicos (e sombrios) e ausências insinuantes. Em certa altura, em uma dessas conversas, a esposa de um negociante revela que ela e o marido são um só: "no caso, ele". O que também explicita o machismo dos ambientes autoritários, com homens que não hesitam em empunhar revólveres, ainda que o tom de voz possa sugerir o contrário. Em tempos que flertam com o autoritarismo como os que vivemos, vale ficar atento.
Nota: 8,5
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