terça-feira, 3 de outubro de 2017

Tesouros Cinéfilos - Mia Madre (Mia Madre)

De: Nanni Moretti. Com Marherita Buy, John Turturro, Giulia Lazarrini e Nanni Moretti. Comédia dramática, Itália / França, 2015, 107 minutos.

Em uma das cenas mais comoventes de Mia Madre (Mia Madre), mais recente obra do diretor Nanni Moretti, a protagonista Margherita (Buy) tenta de todas as formas conduzir a sua mãe doente ao banheiro da UTI em que ela se encontra internada. Com esforço, mas sem alcançar sucesso, ela grita para a mãe que são "apenas três passos", para depois cair em um choro copioso que só será amparado por um caloroso abraço da genitora, que ouvirá em seguida um pedido de desculpa não menos do que tocante. Esse é o tipo de cena que torna a obra de Moretti especial. Margherita, na vida "real" é uma diretora de cinema que está trabalhando em uma nova película repleta de mensagens sociais, tendo de empreender um esforço a mais para equilibrar o drama da vida pessoal, com a necessidade de entregar o filme no prazo certo.

Se já não bastassem as dificuldades de coordenar todo um grupo de atores, dublês e extras, além de cinegrafistas, figurinistas e outros da equipe técnica, a protagonista ainda terá de lidar com as excentricidades do astro de Hollywood Barry Huggins (Turturro), que parece mais preocupado em se ocupar de galanteios e de outras exigências do que, de fato, entregar um bom trabalho. E, nesse sentido, não é por acaso que as constantes brigas da diretora com a sua principal estrela - Huggins se defende dizendo que já fez mais de 105 filmes, tendo trabalhado, inclusive com Stanley Kubrick - e as dificuldades para dar prosseguimento ao filme, funcionam como uma metáfora perfeita para a sua vida particular. Se no filme Huggins não atua como ela gostaria, pensar em sua mãe em uma cama de hospital na iminência da morte e em sua incapacidade de ajudá-la (a dar três passos, que seja) é algo que a atormenta.


Sim, a arte muitas vezes imita a vida e tudo o que Margherita gostaria de fazer, ao sair do hospital, seria dizer "corta" e mandar todo o mundo de volta para as suas posições, assim como os "operários" e os "patrões" que ela dirige em sua encenação. Mas não, a vida real é dolorosa e acaba invadindo o set de filmagem, chegando a fazer com que a diretora se questione até mesmo a respeito da qualidade de sua direção de arte, das frases de efeito ditas pelos empregados da fábrica fictícia que fechará ou mesmo os diálogos que podem parecer forçosamente falsos. No íntimo de Margherita de que vale aquele teatro todo se, no fundo, todos morreremos ou todos sofreremos? Nesse sentido Nanni é preciso ao incluir na película, cenas como aquela em que o apartamento da protagonista é inundado, como uma metáfora perfeita para o naufrágio enfrentado na vida real.

O filme é pesado mas o personagem de Turturro acaba funcionando como um delicioso alívio cômico, sendo impossível não gargalhar diante das dificuldades do presunçoso astro em pronunciar meia dúzia de palavras em italiano. E, nunca é demais lembrar, estamos falando de Nanni Moretti, que costumo comparar a uma espécie de Woody Allen italiano que, com suas obras verborrágicas e divertidas - ainda que com uma filmografia bem menor -, já nos brindou com outras tantas películas agradáveis como Caro Diário (1994) e Habemus Papam (2011), esta última imperdível sobre um papa eleito que passa a se questionar sobre sua capacidade em ocupar um cargo com tanta responsabilidade. Só que, mesmo tendo momentos de humor, o filme se assemelha muito mais ao pesado O Quarto do Filho (2001), já que em ambos os casos somos apresentados a pessoas devastadas que, ainda assim, devem seguir com suas vidas profissionais.


A propósito de Moretti, como é de praxe, ele participa também do filme, no papel de irmão da diretora - talvez pra não ficar tão escancarado o clima autobiográfico da obra. E, a propósito do elenco, quem comove mesmo é Lazzarini, uma vez que sua Ada nunca deixa de ter um espírito otimista capaz de iluminar a todos a sua volta - e, certamente, não é por acaso que a filha de Margherita se sentia muito mais a vontade para discutir temas como "namoros juvenis fracassados" com a avó, do que com a mãe que, de alguma maneira, muitas vezes parece ser uma pessoa distante emocionalmente, individualista e, inadvertidamente ausente. Talvez seja exagero atribuir a Mia Madre a pecha de "melhor filme do Nanni Moretti". Mas, com sua densidade de estilo, fotografia orgânica e coerente com aquilo que assistimos, boas interpretações e roteiro metalinguístico e pleno de metáforas entre realidade e ficção, certamente será uma excelente porta de entrada para quem não conhece o trabalho do diretor. Enfim, um verdadeiro Tesouro Cinéfilo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário