quarta-feira, 25 de março de 2020

Pérolas da Netflix - O Poço (El Hoyo)

De: Galder Gaztelu-Urrutia. Com Ivan Massagué, Zorin Eguileor e Antonia San Juan. Ficção científica / Terror, 2020, 94 minutos.

Não deixa de ser uma baita ironia do destino uma obra com uma mensagem tão potente sobre o comportamento individualista e egoísta dos humanos, estar sendo lançada justamente no mês em que o coronavírus se torna uma pandemia mundial. A realidade é que não são necessários mais do que quinze minutos de exibição para que percebamos do que se tratam as metáforas embutidas em O Poço (El Hoyo). Em uma prisão vertical com cerca de 200 níveis, os detentos recebem o alimento de cima para baixo em uma espécie de plataforma que se movimenta entre os andares. Quanto mais em cima você estiver, mais fartura você terá a sua disposição. Mais abaixo e os tempos serão de escassez. Os presos, muitos deles acordando no local sem nem saber do que se trata, ficarão um mês em cada andar, aleatoriamente. Assim, terão muita ou pouca comida, de acordo com o nível em que estiverem. O que ampliará ou não as suas angústias.

Quando acorda na prisão, o protagonista Goreng (Ivan Massagué) está no 48º andar. Será a partir de seu "companheiro" de cela Trimagasi (Zorion Eguileor), que ele descobrirá, inicialmente, que sua situação não é tão desesperadora. Não sabe exatamente por que está ali - os flashbacks ajudam a dar alguma luz -, os recursos são poucos e a comida será consumida depois de 94 pessoas acima deles se fartarem. E assim que eles comerem a plataforma migra pro andar de baixo, que come seus restos. E a de baixo os restos da de baixo. E assim, sucessivamente. Bom, não é preciso ser nenhum gênio para saber que, quanto mais baixo for o andar, mais escasso será o alimento. E quando Goreng e Trimagasi que, inicialmente, até estabelecem uma excêntrica relação amistosa, acordam duzentos andares abaixo recebendo somente pratos, copos e talheres destroçados, eles percebem que apenas medidas extremas poderão fazê-los ter uma sobrevida.


Bom, trata-se de um filme com uma mensagem quase ESFREGADA em nossas caras: não seria melhor se, no mundo, dividíssemos a nossa comida, para que todos tivessem acesso a ela com qualidade e segurança? Por que algumas pessoas em m cenário de pandemia como o que estamos vivendo pensam apenas em si, enchendo carrinhos e carrinhos de supermercado ignorando as necessidades dos outros? E se o alimento como um todo fosse melhor aproveitado pra que ninguém passasse necessidade? Bom, não são respostas fáceis, especialmente quando Goreng - que tem um comportamento ambíguo - constata que as pessoas que estão nos extratos superiores estão pouco se lixando para aquelas que estão nos andares de baixo. Como mudar essa mentalidade? Como socializar? É o desafio de Goreng, que chega a ser chamado do "comunista" por Trimagasi a certa altura, por conta desse ideal subversivo de divisão da comida.

E fora as mensagens, trata-se de uma obra soturna, com ótimo desenho de produção - a gente acredita de fato que um ambiente assim poderia existir - e uma boa dose de terror estilo gore, que pode não ser totalmente recomendável para todos os estômagos. Há uma série de personagens secundários, de comportamentos esquisitos, que mantém o suspense em alta. E, ainda que o projeto pareça perder um pouco de fôlego em sua reta final, a primeira metade é a que se torna mais impactante pelo fato de descobrirmos junto do protagonista, qual é a verdadeira natureza daquele local. Foi o primeiro filme do diretor espanhol Galder Gaztelu-Urrutia e tem feito uma barulheira na internet, com teorias e mais teorias, especialmente sobre o final em aberto - aliás, alguns elementos fazem lembram o ótimo Cubo (1997), de Vincenzo Natali. Convido vocês a assistirem. E a comprarem menos papel higiênico na próxima vez que forem às compras da quarentena.




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