terça-feira, 10 de março de 2020

Cine Baú - O Anjo Azul (Der Blaue Engel)

De: Josef Von Sternberg. Com Marlene Dietrich, Emil Jannings, Ilse Furstenberg e Kurt Gerron. Drama / Musical, Alemanha, 1930, 107 minutos.

Poucas vezes a degradação de um homem apaixonado, incapaz de dominar os próprios sentimentos, foi tão bem retratada como no clássico O Anjo Azul (Der Blaue Engel), de Josef Von Sternberg. Lançado há 90 anos, tinha como protagonista o ator Emil Jannings, que interpreta o respeitadíssimo professor Immanuel Rath, que conduz a sua turma com disciplina e mão de ferro. Em certo dia, durante uma aula, flagra seus alunos em um momento de "galinhagem", trocando figurinhas - o que faz com que ele descubra a existência de uma casa de espetáculos chamada Anjo Azul, que é desvairadamente frequentada pelos estudantes. Em uma investida para tentar livra-los das tentações, o professor acaba tendo sua atenção fisgada por Lola (Marlene Dietrich) que, de forma sinuosa, o conduzirá para uma espiral de decadência - o que reduzirá o homem a uma figura patética, deprimente.

Bebendo na fonte do expressionismo alemão, Sternberg não se furtará em jogar a câmera quase "dentro" de suas personas, desnudando assim seus sentimentos, angústias, medos e anseios, a partir de olhares, inflexões, sorrisos dados ou não. Rath, por exemplo, passa de sujeito sisudo, até eventualmente poderoso (naquele época professor ainda era uma atividade respeitada), para se tornar um palhaço que mendiga atenção, que está sempre com a cabeça baixa ou inferiorizado, em relação femme fatale que o seduz - e a cena em que Lola arremessa uma calcinha na cara dele é exemplar, nesse sentido. Andando por ruas escuras, tortas, que quase oprimem - trata-se de um belo trabalho de fotografia -, o professor também deverá se readequar à uma mudança espacial - em que se retira aos poucos de um ambiente que domina (a sala de aula) para outro em que ele é dominado (o bordel).


Muito se fala da atuação de Dietrich nesse filme, porque esta foi a obra que lhe alçou ao estrelato - e de fato a assistir cantando a sinuosa canção Falling In Love Again, com sua letra cheia de ambiguidades (Os homens rodeiam-me / como mariposas à volta de uma vela / Se por acaso se queimam / Eu não posso evitar) é um dos atrativos. O mesmo valendo para seu olhar enfumaçado. Mas quem dá o show MESMO é Emil Jannings, que trafega com naturalidade entre duas personas tão distintas - e que nos assombra no terço final, quando surge fantasiado de palhaço, numa metáfora quase óbvia que e que é capaz de dar conta da natureza de sua existência naquele momento. E, nesse sentido, a película chega a ser quase dura com os "cegamente apaixonados": sem uma solução fácil, resta o desejo íntimo do retorno para uma vida anterior e de busca de aconchego naquilo que desperta familiaridade.

E ainda que seja eventualmente pessimista, a película encontra várias brechas para a oferta de um humor quase involuntário, seja no histrionismo das discussões que ocorrem dentro da casa de espetáculos (com personagens secundários relevantes), seja na relação cheia de contradições com os alunos - e eu, particularmente, adoro a cena em que Rath se esforça para ensinar uma simples palavra do inglês a um dos estudantes, com a sequência terminando de forma histericamente divertida. Após este, Sternberg faria ainda uma série de outros filmes importantes, tendo destaque A Vênus Loira (1932) e A Imperatriz Vermelha (1934), ambos com Marlene Dietrich. Mas talvez poucos sejam lembrados com tanto carinho pelos cinéfilos, que encontram na decadência de seu protagonista, uma espécie de alegoria para a Europa (e para a Alemanha) daqueles tempos. Pronta para entrar em uma dura e patética guerra, o País também mergulharia em uma espiral descendente de devastação. A vida, afinal, imita a arte. Não é de hoje.

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