Existe uma lógica aqui nas Pérolas da Netflix, que faz com que a gente geralmente indique algum filme BOM que esteja lá meio escondido (ou perdido) na plataforma de streaming. Não chega a ser uma exigência, mas tradicionalmente tem sido assim, sendo a equação estabelecida a do filme alternativo ou de arte, quase nunca um blockbuster, talvez até eventualmente em língua estrangeira, que merece ser descoberto. Pois ocorre que no decorrer de Entre Realidades (Horse Girl), eu fiquei o tempo todo na dúvida se esta era uma obra que deveria figurar nesse quadro. Ela tem qualidade? É diferente? Desperta a curiosidade? Bom, eu confesso que esse é um caso em que eu adoraria que vocês assistissem e me dissessem alguma coisa depois. Especialmente pelo fato de este ser um filme com múltiplas possibilidades de interpretação, muito mais sensorial do que lógico, cheio de idas e vindas e estranhezas e esquisitices. E de lugares que nem sempre chegamos.
Na trama somos apresentados a jovem desajustada Sarah (Alison Brie). Com uma vida social pouquíssimo movimentada, divide seus dias entre o local em que trabalha - uma loja de artesanatos, cuja especialidade parece ser a venda de tecidos -, um haras em que visita uma égua por quem nutre certo carinho (!), as aulas de zumba e a sua minúscula sala de estar, onde ocupa suas noites maratonando uma série de gosto duvidoso chamada Purgatório. Um combo que torna a existência de uma mulher na faixa dos 35 anos, não menos do que melancólica. As coisas mudam um pouco de figura no dia de seu aniversário, quando Nikki (Debby Ryan, famosa pela série Jessie), resolve chamar um amigo de seu namorado para tornar a festa minimamente mais movimentada. A noite rende, as conversas fluem, mas Sarah parece ter algum tipo de condição psicológica que faz com que ela sonhe com coisas esquisitas, que influenciarão na vida real.
Bom, sonhar com coisas esquisitas todos nós sonhamos. Só que o sonho de Sarah costuma ser num quarto branco, onde participam outras duas pessoas que ela não consegue enxergar direito. Quando acorda, pode estar em algum outro lugar bem diferente: na rua, na sala de sua casa, no trabalho. E o pior, junto com o sonho a noção de tempo parece ser embaralhada: estamos no passado? No futuro? Por que o relógio parece não ter andado? Por que eu estava aqui tomando banho e, agora... estou aqui pelada, no meu ambiente de trabalho? A confusão que se estabelece na mente da protagonista, faz com que ela elabore uma espécie de teoria conspiratória governamental, em que ela seria a própria avó ressuscitada (um clone), o que envolveria ainda abduções alienígenas, realidades paralelas e alguma dose de esquizofrenia. O candidato a namorado? Baterá em retirada, conforme a loucura for aumentando.
Não é um filme fácil, mas inegavelmente é esforçado. Nos faz pensar o tempo sobre o que estamos vendo, misturando algumas boas doses de suspense, de drama e de humor involuntário. A rilha sonora é opressiva e o desenho de produção é enigmático, com trocas de cenário excêntrica e uso das cores de forma orgânica e expositiva (com o laranja, que representa a criatividade, o fascínio, o estimulo e o entusiasmo, tendo destaque). E há ainda Alison Brie, que se despe de qualquer vaidade para surgir como uma garota incomum, meio antissocial e que se empenhará com todas as forças para encontrar algum sentido em suas alucinações. Sim, há pontas soltas. Sim, há uma boa dose de respostas não dadas e de subtramas abandonadas, ou que parecem abandonadas, no decorrer. Mas é uma narrativa curiosa, que nos faz ficar naquele clima de "o que foi que eu vi, aqui?". O que foi que vocês viram? Eu, não sei. Mas acho que essa pérola ainda pode ser descoberta.
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