quarta-feira, 11 de março de 2020

Picanha em Série - The Morning Show (1ª Temporada)

De: David Frankel, Kevin Bray, Linn Shelton, Michelle MacLaren, Mimi Leder, Roxann Dawson e Tucker Gates. Com Jennifer Aniston, Reese Whitersponn, Steve Carell, Billy Cudrup, Mark Duplass e Marcia Gay Harden. Drama, EUA, 2019, 585 minutos.

Lançada no final do ano pela Apple TV+ - o que a fez entrar oficialmente na "briga" pela atenção entre os serviços de streaming -, a primeira temporada de The Morning Show já está justificando o falatório. Primeiro, tem um tema mais do que atual: o dos casos de má conduta sexual em grandes corporações e que, muitas vezes, ainda são acobertados por empresários que não querem ver a imagem de seus negócios comprometida. Depois, tem um grande elenco, de nomes como Jennifer Aniston, Reese Whiterspoon, Steve Carell, Billy Crudup e Marcia Gay Harden, entre outros. E pra finalizar tem uma história que oxigena e atualiza o movimento #metoo, contando ainda com ótimos diálogos, roteiro inteligente e sinuoso e muita metalinguagem - isso sem falar no já tradicional embate entre o conservador e o progressista, o moderno e o arcaico. É o programa completo que, de quebra, ainda desnuda as entranhas dessa verdadeira fábrica de ídolos e estrelas que é a indústria do entretenimento.

Na trama, Steve Carell é Mitch Kessler, famoso apresentador de um programa matinal da TV, que é afastado da emissora após um episódio de assédio sexual o envolvendo, vir a tona. Enquanto a emissora se empenha em tentar buscar, imediatamente, um substituto, a jornalista Alex Levy (Aniston), sua companheira de programa, tenta se recuperar do trauma provocado pela chocante notícia. Em meio ao falatório nacional sobre o caso, acaba viralizando nas redes sociais um vídeo em que uma jovem jornalista de nome Bradley Jackson (Whiterspoon) discute com um sujeito em meio a uma pauta sobre a instalação de uma mina de carvão. O surto de Bradley atrai a atenção dos produtores do The Morning Show, que a convidam para uma entrevista: pressionada por Alex, que acredita que ela possa ter forjado a filmagem, a jornalista responde a todas as perguntas com naturalidade, elegância e inteligência (dando, inclusive uma alfinetada na veterana). O que chamará a atenção de um dos chefes do canal, o novato Cory Ellison (Crudup).


Bom, num primeiro momento pode parecer intrincado, ou até confuso, mas não é. A rede de televisão deve prosseguir enquanto Mitch está afastado e Bradley inicia uma aproximação com a emissora (para desespero dos executivos mais conservadores, que a veem como uma figura imprevisível, instável e distante do estilo quadrado das atrações matinais). Com uma série de idas e vindas, Bradley acaba sendo anunciada como coapresentadora, em um dos melhores momento da temporada (e quem viu o trailer sabe que isto não era exatamente uma novidade). Além de terem personalidades completamente distintas, Alex e Bradley terão de lidar com suas diferenças, ao passo que acompanham o turbilhão de um canal de que tenta se reerguer - e que está muito próximo de perder a liderança da audiência no horário. Como não poderia deixar de ser, os problemas pessoas e as eventuais dificuldades de relacionamento - com a família, especialmente - também representarão barreiras para as duas mulheres.

Com uma quantidade de reviravoltas e intrigas de bastidores formidável, a série tem fotografia elegante e desenho de produção que nos faz efetivamente acreditar na UBA como um possível canal real de televisão. Marcando posição no (relevante) debate feminista, jamais soa excessivamente panfletária - o que pode ser visto na forma como Mitch é apresentado (um sujeito meio à moda antiga, "tiozão do pavê", que faz aquelas piadinhas de mau gosto e que conduz as suas vítimas sem excessos, o que talvez torna o método ainda mais repulsivo e absurdo). Já Aniston tem, finalmente, a oportunidade de deixar para trás os trejeitos à moda Rachel Green, tornando Alex uma figura complexa, fragilizada em alguns momentos, fortalecida em outros, mas que precisa "mexer os pauzinhos" depois que a emissora acena para algum tipo de limpa interna, como forma de tentar salvar o que resta de sua reputação.



Aliás, não é só elenco principal que é carismático - Whiterspoon quase dispensa comentários, já que me impressiona a quantidade de ótimos papéis em sua carreira. Crudup é o CEO charmoso e manipulador que tem um plano maior (e imprevisível) para a emissora, ao passo que Mark Duplass consegue emprestar toda a insegurança a um produtor veterano que pode ter sua cabeça a prêmio, no menor deslize. E há, além de toda a discussão proposta pela série, uma verdadeira aula de jornalismo nos bastidores - e eu, particularmente, adorei o sexto episódio, em que um grande evento exige da equipe todo um esforço diferenciado na condução da notícia. Nesse sentido é uma série real, com figuras possíveis, cheias de dilemas, anseios e sonhos e que ainda devem lidar com um grave problema: o da "cultura do silêncio", que ainda reina nas grandes corporações, quando o assunto são os escândalos sexuais. Que venha a segunda temporada.

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