segunda-feira, 3 de junho de 2019

Pérolas da Netflix - The Perfection

De: Richard Shepard. Com Allison Williams, Logan Browning e Steven Weber. Suspense / Drama, EUA, 2019, 90 minutos.

É preciso entrar na viagem para gostar do The Perfection. Aceitar que mais ou menos uma dúzia de "licenças poéticas" estão ali pelo bem da história - muitas delas surgindo no formato de plots twists inacreditáveis, alguns previsíveis, outros nem tanto. Aliás, acho que esse é o primeiro caso de Pérolas da Netflix em quase cinco anos de Picanha Cultural em que não se está diante de uma obra exatamente formidável ou inesquecível. É diferente. Excêntrico. Levemente trash. E por ser tudo isso, as pessoas precisam ver. Tirar suas conclusões. Gostar ou não gostar. Eu nem sei direito o que dizer. Aqueles noventa minutos passaram voando e, quando viu, o filme já estava no fim, com uma sequência final tão delirantemente surreal, um tipo de sonho onírico meio macabro, que eu só conseguia pensar: WTF!

A trama parece uma coisa e depois vira outra. Parece indicar um caminho, para depois fazer uma marcha a ré, retroceder e nos mostrar que, bem, pode ser que as coisas não eram bem assim como estávamos pensando. E, aqui, um ponto para a montagem e a trilha sonora, que conferem dinâmica a uma película que poderia ser mais convencional do que era. A narrativa se centra no universo da música e dos seus conservatórios que, com seus métodos ortodoxos, levam os alunos ao limite da exaustão, na busca da perfeição (daí o título em inglês). Uma dessas alunas era Charlotte (Allison Williams, vista em Corra! e com uma atuação soberba), uma violinista prodígio que teve de desistir de uma carreira promissora para cuidar da mãe, que tinha uma doença terminal. Quando a mulher morre, dez anos depois, ela reencontra, no Japão, o seu mentor Anton (Steven Weber) que, agora, possui uma nova pupila, de nome Lizzie (Logan Browning).


Bom, o retorno de Charlotte movimenta o conservatório. Ela se aproxima de Lizzie - uma das melhores musicistas do País, na atualidade - para descobrir mais tarde que, na juventude, Lizzie, ainda uma postulante a estudante de música, a idolatrava. As duas tem um caso de uma noite e resolvem viajar juntas. Mas na viagem tudo desanda porque Lizzie, com uma ressaca infernal, começa a passar mal após a ingestão de doses cavalares de ibuprofeno. Dentro de um ônibus ela vomita, tem tenebrosas dores pelo corpo e na cabeça, começa a ter alucinações a respeito de insetos povoando seu corpo, discute com passageiros do coletivo e é abandonada junto com Charlotte no meio do nada, pois há a suspeita de uma nova doença mortal que tem se alastrado pelo Oriente (como mostra uma cena envolvendo um idoso, ainda no começo do filme).

[SPOILER ALERT: só leia esse último parágrafo se você já tiver visto o filme] Na realidade é muita coisa chamando a atenção ao mesmo tempo e talvez mais tarde percebamos que Charlotte é que é a responsável por "medicar" Lizzie, de forma irresponsável. Mas com qual objetivo? Ciúmes? Rivalidade no meio da música? Busca da fama que, agora, ela não tem mais? O filme brinca com essas idéias fugindo do óbvio, misturando elementos de drama, de comédia, de filmes de terror B, de suspense, de romance e até de ficção científica para, no fim das contas, construir uma fábula sobre a importância da sororidade e sobre a necessidade imediata de enfrentar homens brancos, religiosos e da "família de bem", que na verdade não passam de abusadores de todos os tipos - sexuais, psicológicos, morais. A obra exagera nos seus acontecimentos, para chamar a atenção para o tema? Talvez sim. Mas eu não cobro realismo de um filme. Talvez verossimilhança. E pela importância da discussão que esse filme diferentão do Richard Shepard propõe, ele merece ser descoberto.

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