sexta-feira, 14 de junho de 2019

Cine Baú - Tootsie (Tootsie)

De: Sydney Pollack. Com Dustin Hoffman, Jessica Lange, Teri Garr, Bill Murray e Geena Davis. Comédia / Drama / Romance, EUA, 1982, 116 minutos.

Em uma recente pesquisa feita pela revista britânica Time Out, atores de 20 países diferentes votaram nos melhores filmes de todos os tempos. O resultado: Tootsie (Tootsie) do diretor Sydney Pollack encabeçou a lista dos 100 mais, desbancando outros clássicos que costumam figurar nas primeiras posições. Difícil atribuir quais os aspectos que possam ter contribuído para a expressiva votação, mas é possível conjecturar alguns deles. Em primeiro lugar é um filme metalinguístico, sobre um ator perfeccionista mas de temperamento difícil (um inspiradíssimo Dustin Hoffman) que tenta se adequar a um sistema em que ninguém lhe quer contratar. Depois, há o carismático elenco, que conta com nomes como Jessica Lange, Bill Murray, Geena Davis e Teri Garr, além do já citado Hoffman e do próprio diretor Sidney Pollack, que interpreta o empresário sincerão do protagonista.

Há também um roteiro inteligente, conduzido de forma dinâmica e com uma criativa edição: quando Michael Dorsey (Hoffmann) percebe que a sua carreira pode estar sendo comprometida por conta de sua personalidade difícil, ele resolve se vestir de mulher, dando vida à Dorothy Michaels, na tentativa de obter um papel para uma novela matinal (as conhecidas soap operas americanas). Aliás, que ela consegue, claro! E há ainda um palpável debate sobre o feminismo que perpassa todo o filme e que ganha força quando Dorothy começa a questionar algumas decisões do roteiro da atração que protagoniza, alterando falas inteiras, improvisando e redefinindo as questões de gênero. Afinal de contas, agora, na pele de uma "mulher", Michael perceberá que a vida delas nesse meio é ainda pior, com assédios de todos os tipos, submissão e estereótipos, como o da mulher sendo o "sexo frágil".


E é muito provável que, por tudo isso, o filme envelheça tão bem. Talvez a exceção da anacrônica trilha sonora - impressionante como os filmes dos anos 80 são ultrapassados nesse sentido -, essa pequena joia mantém o seu charme levemente subversivo, seja nos diálogos divertidos, no figurino e na maquiagem excêntricas ou no respeito que a narrativa mantém por sua personagem principal, jamais tratando-a como uma caricatura. E o melhor, mesmo nas sequências mais sérias, como no caso em que Jeff (Bill Murray) faz uma piadinha ao surpreender Dorothy sendo violentamente assediada por um colega de elenco, Hoffman - agora já com a voz de Michael - olha-o com severidade lembrando-o "não, Jeff, estupro não tem graça". Bom, nunca é demais lembrar também que Julie (Jessica Lange, que ganhou o Oscar por sua caracterização) interpreta uma atriz que é mãe solo - em uma época em que esse conceito era ainda muito pouco conhecido. Mais um tema tabu, incluído com sutileza na trama.

Mas no fim das contas, são muitos os aspectos que tornam o filme divertidíssimo - que já começa engraçado com uma festa surpresa em que Michael conhece apenas cinco dos mais de cinquenta convidados. E o que dizer das divagações de Jeff nessa mesma festa? Ele que preferiria que os teatros abrissem somente à noite, porque ele aí saberia que os verdadeiros fãs de teatro, os resistentes com suas capas de chuva, é que estariam lá. Há a relação conturbada de Michael com Sandy (a inesquecível Teri Garr), as conversas impagáveis com o empresário (você era um tomate!), a paixão impossível por Julie e as tentativas de Dorothy em tornar o programa matinal menos quadrado do que é, em meio a uma equipe machista, com um diretor idem. Tudo ocorrendo de forma fluída, com edição ágil, o que faz com que nem percebamos o tempo passar. Não por acaso, o filme foi escolhido o 62º melhor da história, em votação feita em 1998 pelo American Film Institute (AFI). Mais do que justo.


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