quinta-feira, 30 de maio de 2019

Foi Um Disco que Passou em Minha Vida - Soundgarden (Superunknown)

Existem discos que te "formam" enquanto ouvinte. Que, a seu tempo, alteram a sua percepção enquanto consumidor de música, definindo as bases daquilo que se vai gostar ou não, no futuro. A gente muda, amadurece, cresce. Mas aquilo que nos acompanhou na juventude - especialmente do ponto de vista das artes - muitas vezes permanece. Eu tinha treze anos, quando o Soundgarden lançou o Superunknown, mas fui um consumidor tardio desse registro. Em 1994 o jogo de futebol com a vizinhança no final da tarde ou o Mega Drive barulhento da noite, ocupavam o tempo do recém-adolescente. Mas em algum momento entre 1996 e 1997 eu fui assistir, despretensiosamente, o clipe de Black Hole Sun, que era lançada como single. Não sei explicar o sentimento. Os olhos brilharam, os ouvidos se apuraram, a camisa de flanela saiu do armário. Era um videoclipe diferente, colorido - a despeito do clima chuva cinza de fim de tarde do grunge -, a voz gutural do Chris Cornell alternando estrofes adocicadas, com o peso imprevisível do refrão...

Eu sei que eu PRECISAVA daquele álbum. Naquela época se comprava álbuns. Se ia em lojas - no caso daqui de Lajeado, nas extintas Planet Laser e CD e Cia - para adquirir discos, por preços inacreditáveis e que, em alguns casos, chegavam a um décimo do salário mínimo. Hoje alguns registros custam um décimo do salário mínimo. Aqueles mais raros, difíceis de encontrar ou que sejam material de colecionador. Mas o causo é que o Superunknown era impossível de se achar. Até o OK Computer do Radiohead eu comprei por aqui. Mas não esse do Soundgarden, que acabou se tornando objeto de desejo. Havia um colega meu do terceiro ano, o grande amigo Guilherme Priebe, que possuía o registro. E ele foi absurdamente ouvido na viagem do TERCEIRÃO para Santa Catarina. Aliás, foi lá, no Estado vizinho, que fui encontrar o álbum, em uma despretensiosa loja de um shopping qualquer, que eu nem lembro o nome. Aos 16 anos, a aquisição da vida.


Quem já ouviu o Superunknown - aliás, se você não escutou, faz a um favor a si mesmo e abre o Deezer ou o Spotify e dá o play - sabe: trata-se de uma explosiva experiência sonora de 73 minutos e 16 músicas. Hoje em dia nem se faz mais disco de 73 minutos. Fora o Kamasi Washington, talvez. O Vampire Weekend lançou um álbum de 59 minutos e tá sendo chamado de disco "duplo". Enfim, desvendar aquele trabalho era reconhecer, talvez pela primeira vez na vida, quais eram os reais limites entre o rock mais pesado e a música comercial. Na juventude, uma novidade que abriria portas para a descobertas de outras bandas. Hits como Feel On Black Days, Spoonman, The Day I Tried To Live e, especialmente, My Wave - essa última com a sua guitarra flamejante, barulhenta e inesquecível -, tocaram a exaustão na MTV. E provaram que era possível bater cabeça de All Star surrado, mas também cantar o refrão de forma desavergonhada.

Premiado no Grammy, o registro alcançou grande popularidade, deixando para trás o hermetismo de Badmotorfinger (1991), o pesado trabalho anterior, que ficaria mais famoso pela suposta blasfêmia do videoclipe de Jesus Christ Pose do que qualquer outra coisa. Com uma estética mais limpa, o Soundgarden abraçava a incerteza do mundo no meio dos anos 90, fazendo um dos álbuns mais "anos 90" daquela década. Nas letras o pessimismo ruidoso, que pedia a audição solitária do quarto juvenil, ainda que fosse irresistível gritar junto um "alive in the superunknown". A subversão do 4 de julho e, consequentemente, do sonho americano (4th Of July), viagens depressivas e violentas (The Day I Tried To Live), o passado turbulento que insiste em aparecer (Let Me Drown) ou simplesmente o homem que insiste em fazer música com uma colher (Spoonman). Uma mistura nervosa, roqueira, pessimista, de uma das mentes mais criativas que surgiram nas últimas décadas e que, lamentavelmente, nos deixou tão cedo.



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