terça-feira, 11 de junho de 2019

Pérolas da Netflix - A Antena (La Antena)

De Esteban Sapir. Com Alejandro Urdapilleta, Florencia Raggi, Valeria Bertuceli e Ana Moreno. Drama / Ficção Científica, Argentina, 2007, 99 minutos.

O trocadilho é óbvio, mas necessário: A Antena (La Antena), essa verdadeira joia do cinema argentino, é um filme que nos deixa sem palavras. Não apenas pelo visual fantástico - que pega elementos do expressionismo alemão, mistura com quadrinhos do Frank Miller e acrescenta uma pitada de Jean Pierre Jeunet (versão sem cores) -, mas também pela criativa história, que faz a crítica mais do que necessária a alienação promovida pela mídia. A trama nos joga para uma sociedade distópica em que as pessoas não podem mais utilizar a sua voz para se expressar. As palavras existem, continuam presentes, mas surgem no formato de curiosas legendas, enquanto as pessoas conversam. É tudo silencioso nesse mundo em que o Sr. TV (Alejandro Urdapilleta) comanda tudo. Ambicioso, o sujeito pretende sequestrar uma cantora (Florencia Raggi), única pessoa do planeta que ainda consegue se expressar pela fala.

A ideia do Sr. TV, na realidade, é utilizar uma espécie de engenhoca para capturar todas as palavras ditas pela cantora, processá-las na indústria e comercializá-las como produtos que detém a sua marca. Aliás, tudo nesse universo é "Alimento TV" - e, bom, talvez aí esteja uma das metáforas mais óbvias da película: a de que, muitas vezes, recebemos tudo mastigadinho de nosso aparelho televisor, sendo incapazes de questionar, colocar um contraponto ou desafiar aquilo que assistimos. Nesse contexto, quem desafiará o Sr. TV será o próprio filho do magnata (Valeria Bertucelli) que, após um equívoco, será enviado pela prisão por seu próprio pai. Ele se juntará a uma enfermeira (Julieta Cardinalli), seu ex-marido (Raúl Hochamn) e sua filha (Ana Moreno) que, por um acaso, descobrirá que a "voz", possui um filho, também capaz de falar.



Pode parecer meio confuso, mas o que mais interessa nesse filme é se deixar levar pelo visual absolutamente mágico dele. O preto e branco é magnífico, há um clima de mistério, uma névoa permanente, uma melancolia da falta de cores, sensação ampliada pela trilha sonora envolvente. Há ainda uma série de referências à filmes antigos - de Metropolis (1927), passando por Tempos Modernos (1936), até chegar a Viagem A Lua (1902) - que tornam a experiência ainda mais saborosa. E há ainda a fortíssima crítica aos sistemas totalitários e o absurdo da necessidade de poder - e não é por acaso que, quando assistimos a cantora sendo presa ao equipamento que lhe pretende "sugar" as palavras, conseguimos perceber claramente uma suástica desenhada junto deste.

É uma obra com um tipo de linguagem diferente, mas que te conquista já nos primeiros minutos, com sua concepção visual à moda de um "filme do Tim Burton" feito na época do Gabinete do Dr. Caligari (1920). Recheado de imagens enigmáticas, labirínticas, geométricas, o filme nos apresenta a um universos quadrado, tecnológico mas sem graça, moderno mas sem vida. Sem voz e sem cores. Em que as pessoas não podem se expressar. Afirmar suas ideias. Se posicionar. Dialogar, que seja. A solução? Ativar uma antiga antena que está em uma espécie de descampado, o que poderá ecoar (e consequentemente devolver) novamente a voz do povo, afinal de contas, as palavras não foram perdidas. Elas ainda existem. Cheias de significados. Amplas de sentidos. Como podemos constatar no formidável terço final.

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