terça-feira, 4 de junho de 2019

Cinema - Anos 90 (Mid90s)

De: Jonah Hill. Com Sunny Suljic, Na-Kel Smith, Katherine Waterson e Lucas Hedges. Comédia dramática, EUA, 2018, 85 minutos.

Existe uma cena emblemática em Anos 90 (Mid90s) - a vigorosa estreia do ator Jonah Hill como diretor - que resume bem o sentimento de dúvida sobre tudo, ou mesmo as inseguranças, anseios e a necessidade de aceitação que rege os movimentos de qualquer pré-adolescente na faixa dos 12, 13 anos. Nela, o jovem Stevie (o ótimo Sunny Suljic) está PUTAÇO com a sua mãe, que, a seu ver, faz um papelão lhe repreendendo na frente de seus novos amigos - uma galera do skate mais velha do que ele, que lhe abraça, mesmo que essa amizade parece o mais improvável dos cenários. Após um acesso de fúria, o agregador Ray (Na-Kel Smith) senta ao seu lado e, com toda a calma do mundo lhe diz: "se você olhar bem no interior de algumas pessoas, você não trocaria as suas merdas, pelas merdas deles". Todos têm as suas próprias merdas, afinal. Ainda mais quando se é jovem e tudo parece uma grande e retumbante merda ao quadrado.

O que Ray está tentando dizer a Stevie é que o cenário pode não ser perfeito - e não é, já que o garoto tem uma jovem mãe distante (Katherine Waterson) e um irmão mais velho que lhe espanca, como forma aliviar as suas próprias frustrações (Lucas Hedges). Mas os outros amigos da dupla também tem problemas. Fourth Grade (Ryder McLaughlin) não tem onde cair morto de tão pobre. Já Fuckshit (Olan Prenatt) é tão ferrado que só pensa em qual será o próximo local das bebedeiras e em que festa se entupirá de drogas. O próprio Ray perdeu o irmão na juventude, em um acidente automobilístico besta. Sim, a vida é cheia de atribulações e a gente vai aprender na marra a se virar com ela - e no caso da moçada que assistimos nessa pérola do cinema alternativo, o que os une é o universo do skate, sua linguagem própria, suas roupas, apetrechos, gírias, músicas, etc. Stevie não é "aceito" em casa, mas será com essa improvável turma, seus chegados, aqueles que lhe compreenderão.


Nesse sentido, a obra é um verdadeiro achado sobre o amadurecimento - ainda que essa vertente, a dos coming-of-age, não seja exatamente uma novidade. Nas ruas, Stevie aprenderá a beber, a fumar, a andar de skate, a transar, a perceber que a vida não é fácil e ela vai lhe dar várias porradas, o tempo todo. É um filme nostálgico, mas não porque todo o mundo já andou de skate ou escutou Cypress Hill ou A Tribe Called Quest. É um filme que vasculhas as nossas memórias porque, em meio a coleção de discos bem organizada, as roupas largas e coloridas, a MTV, os walkmans e a cultura urbana de uma década efervescente, todo o mundo já se ferrou em algum momento. Caiu e depois levantou. Sacudiu a poeira e foi de novo. E de novo. E de novo. E por isso foi tão bonita a cena de Stevie aprendendo, sozinho no quintal de sua sua casa, uma manobra difícil no skate. Ou se empenhando em chegar no horário em que sua mãe lhe disse para voltar. Ou compreendendo que dizer um simples "obrigado" não lhe torna gay.

A película é um recorte bacana sobre as ruas, sobre a energia da vida, sobre vivências - e cada um terá a sua. A trilha sonora pode ser delicada - como no momento poético em que a turma anda de skate ao som de Dedicated To The One I Love do Mamas and The Papas -, ou mais visceral, como na sonoridade das pistas, com seus barulhos, skretchs e hip hop onipresente. A fotografia amarelada e granulada, o estilo de filmagem, os figurinos, o desenho de produção... tudo contribui para criar a atmosfera de um filme sobre lembranças até daquilo que não se viveu. Os diálogos podem divertir (a cena do grupo confrontando um policial é um deleite), mas nos fazer pensar, como no caso do trecho já citado no começo da resenha. E haverá ainda um episódio específico que modificará um tanto os rumos da história, aumentando a compreensão de que os amigos são a família que a gente escolhe - como diz aquele antigo chavão. E todos amadurecerão, também, a partir dele. A estreia de Hill, em um filme tão pequeno, é promissora. Que venham os próximos.

Nota: 8,0

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