segunda-feira, 10 de junho de 2019

Tesouros Cinéfilos - Nós, Os Animais (We The Animals)

De: Jeremiah Zagar. Com Evan Rosado, Josiah Gabriel, Isaiah Kristian, Raúl Castillo e Shiela Vand. Drama, EUA, 2018, 94 minutos.

Pouco conhecido no Brasil, Nós, Os Animais (We The Animals) é aquele tipo de filme que merece ser descoberto. Trata-se de uma obra de grande sensibilidade, dotada de um lirismo quase poético e que utiliza a força da imagem para abordar os dilemas naturais da juventude de forma inteligente, mas com uma sutileza quase onírica, transcendental. A trama é centrada na rotina de três meninos muito unidos - Manny (Isaiah Kristian), Joel (Josiah Gabriel) e Jonah (Evan Rosado), este último o caçula e narrador da história. Como qualquer jovem da faixa dos 10 anos, eles brincam, correm, nadam, aprendem, apanham (da vida), sofrem... e querem mais, sempre mais. "Mais volume, mais músculos, mais família". Ou será que de vez em quando eles não gostariam de ter menos? E ter apenas paz?

Como jovens que são, ainda não sabem das coisas da vida. Quando a mãe (Sheila Vand) aparece com o olho roxo e um corte na boca, acreditam na história contada pelo pai (Raúl Castillo) sobre um dentista pouco habilidoso que lhe teria ferido quando esta foi tirar os dentes do siso. Não compreendem as questões de gênero, os tipos de violência sofrida pela mãe e a importância do respeito às mulheres. Ao mesmo tempo não compreenderão o sumiço do pai, ou o sumiço dos dois. As suas brigas e idas e vindas, transformando a rotina em um sem fim de instantes instáveis, áridos, duros. Também não terão a total dimensão daquilo que lhes ocorre com o corpo, com o sexo e com o desejo que começa a despertar, latente, urgente. E como lidar com esse desejo quando, no caso do jovem e sonhador Jonah, ele surge direcionado aos meninos? Como poder "voar" e ser aceito por aquilo que se é em seu íntimo, se mal se sabe se haverá o que comer?


Nesse sentido, o diretor Jeremiah Zagar transforma essa valiosa película em uma série de pequenos recortes em que discutirá temas os mais variados - do machismo na sociedade, passando pelo respeito às diferenças (entre elas as sexuais) até chegar à vulnerabilidade social que afeta camadas mais pobres. Há ainda aqui e ali um tênue debate sobre Complexo de Édipo, sobre ser o provedor da família, sobre ser homem e sobre crescer homem - lutando o tempo todo contra algum tipo de instinto mais animalesco, e aceitando o código moral que, por fim, lhes guiará as atitudes. É uma obra que abarca muito e que, talvez por isso, também peque por alguma eventual falta de profundidade em seu debate. E que apresenta seus personagens como uma coleção de figuras com virtudes, defeitos, medos, anseios e instantes de alegria, de celebração - como é o caso daquele em que a família dança junta.

Ainda longe de compreender aquele emaranhado de estímulos que lhe rodeia, Jonah utiliza as suas habilidades artísticas - desenhos criativos e cheios de significados - para se expressar. Algo que, somado à uma fotografia amarelada e empalidecida, a uma trilha sonora sinuosa e a um clima bucólico (repare na cena em que Jonah mergulha em um buraco se misturando com a terra úmida e com as minhocas), tornam a obra uma experiência puramente sensorial, que burla os limites entre arte e entretenimento. São fragmentos que, por vezes, funcionam quase como se fossem sonhos, arrastando o filme (e consequentemente o espectador) para fora da realidade pura e simples. Há algo maior no mundo e é ele que desejamos explorar, no fim das contas. Especialmente quando tomamos consciência disso - como comprova a belíssima sequência final.

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