segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Novidades em Streaming - A Sorte Grande (To Leslie)

De Michael Morris. Com Andrea Riseborough, Allison Janney, Marc Maron, Owen Teague, Stephen Root, Andre Royo,. Drama, EUA, 2022, 119 minutos.

[ATENÇÃO: ESSE TEXTO CONTÉM ALGUNS SPOILERS]

De clássicos como Farrapo Humano (1945) a recentes como Druk: Mais Uma Rodada (2020), passando ainda por noventistas como Despedida em Las Vegas (1996), não foram poucas as obras que tiveram a presença das bebidas alcoólicas como parte integrante de suas narrativas. No caso do recente A Sorte Grande (To Leslie), dirigido por Michael Morris e que está disponível para aluguel na Amazon Prime, temos mais um filme que tem como pano de fundo os efeitos adversos do abuso de álcool. A trama não enrola muito ao nos apresentar Leslie (Andrea Riseborough), uma jovem do Texas que ganha US$ 190 mil em uma loteria local - mas que torra a grana com seus vícios em uma velocidade vertiginosa. Sem se ocupar de nos apresentar esse recorte da passagem do tempo, o filme faz um salto para seis anos depois, onde a alegria contagiante das imagens de arquivo pela conquista, já deram lugar à decadência financeira completa. Na miséria, a protagonista não tem dinheiro sequer para manter um quarto de hotel meia bomba das redondezas.

E a "bucha" sobra pra quem? Pro filho James (Owen Teague), que está afastado da mãe há alguns punhados de anos, mas que resolve lhe estender a mão quando percebe que a vida itinerante de Leslie pode resultar em algo ainda pior. James é esforçado, um trabalhador do setor da construção, que divide uma casa com o colega Darren, e tenta tocar sua vida normalmente, a despeito do desastre completo que parece ter sido sua juventude. Sem desejar um novo trauma, James suplica a mãe de que só há uma condição para que ela permaneça com ele até se estabelecer, arranjar um emprego e seguir adiante: a de que ela não beba. Sob hipótese alguma. Encarnando a personagem da mãe supostamente arrependida e mais ou menos amorosa, Leslie consegue enganar o filho por algumas horas, até o instante em que ela vasculha a casa atrás de algum dinheiro para que possa, no boteco da esquina, comprar a sua garrafa de pinga. A dependência de álcool é uma doença severa. E de difícil tratamento, como fica claro.



Sim, a gente chega num ponto de se irritar com Leslie - e a interpretação de Riseborough é tão irretocável que a indicação ao Oscar pode ser considerada justíssima, a despeito da campanha meio enviesada, inclusive com especulação de supostas violações de regras da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Só que a atriz convence demais como a cracuda incorrigível, que vive de bar em bar, de rua em rua, de quarto de motel em quarto de motel, sendo expulsa por familiares e amigos dos lugares em que tenta, em vão, morar. O filho, mesmo, fica de saco cheio com nem uma semana de estada. A antiga amiga de Leslie, Nancy (Allison Janney) lhe recebe, mas lhe coloca para fora na mesma velocidade, depois que descobre que ela está frequentando o bar local. Resta a rua. Onde ela é encontrada por Sweeney (Marc Maron), que lhe ajudará. Lhe dará um emprego. Tentará salvar de alguma maneira e, a despeito da desconfiança de todos, aquela alma. Mas há espaço pra redenção? E quais os caminhos para isso?

Ao cabo, esse pode ser um filme capaz de gerar certo desgosto no público - os que conhecem alcoolistas pela possível identificação com o comportamento errático de sua protagonista, os que não conhecem simplesmente por repúdio mesmo. Mas essa é uma experiência que não glamouriza em nenhum momento o abuso. Ao contrário, Leslie se torna motivo de chacota qualquer que seja seu comportamento - o que é ampliado em uma cidade pequena, conservadora, e cheia de famílias "de bem" (que gostam de, hipocritamente, apontar dedos). Flertar? Impossível. Dançar? Não pode. Transar? Quem iria querer? Pode haver certo pendor pro moralismo na coisa toda, mas há que se refletir sobre escolhas e, claramente, a perda dos US$ 190 mil que tornam Leslie uma espécie de microcelebridade local parecem ser apenas a ponta do iceberg de uma série de derrotas - morais, financeiras, psicológicas - que a vida imporá a essa anti-heroína. O desfecho pode soar romântico e excessivamente otimista. Mas há que reconhecer a sensibilidade do projeto, ao lembrar que todos podem ter uma segunda chance.

Nota: 8,0


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