sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Tesouros Cinéfilos - As Invasões Bárbaras (Les Invasions Barbares)

De: Denys Arcand. Com Rémy Girard, Stéphane Rousseau, Dorothée Berryman e Marina Hands. Comédia / Drama, Canadá, 2003, 94 minutos.

Um filme cheio de diálogos espirituosos sobre política, cultura, história, religião e sexo e que, ao mesmo tempo, se constitui em uma poderosa história familiar centrada na complexa relação entre um pai idealista e um filho capitalista. Mais ou menos assim é possível resumir As Invasões Bárbaras (Les Invasions Barbares), premiada obra do diretor Denys Arcand, que completa 20 anos de lançamento em 2023. Espécie de continuação de O Declínio do Império Americano (1986), o projeto é centrado em seus personagens, que são apresentados como um coletivo repleto de diferenças - e de falhas -, mas ao mesmo tempo cheio de boas intenções. A trama inicia com Sebastién (Stéphane Rousseau), um liberal bem-sucedido da área financeira, que recebe de sua mãe Louise (Dorothée Berryman) uma triste notícia: seu pai Rémy (Rémy Girard), um professor universitário com um longo histórico de adultérios, padece em uma cama de um hospital público após ser diagnosticado com um câncer terminal.

Ter que interromper seus negócios para ir visitar o pai com quem não tem muito contato há vários anos - um rompimento que tem a ver com o comportamento hedonista de Rémy -, não parece animar muito Sebastién. Mas ainda assim ele sai de Londres, onde mora e trabalha, para ir até o Canadá onde está sua família. O encontro não parece promissor e já no começo do filme poderemos perceber como o esnobe moribundo soa presunçoso ao ridicularizar a carreira do filho, a quem atribui uma completa alienação de mundo que resulta da falta de leitura e de sua preferência por jogos de videogame. Por outro lado, Sebastién ficará exasperado ao se deparar com as condições nas quais seu pai está instalado no hospital - um tipo de estrutura que ele, como bom socialista, teria sido um ardoroso apoiador desde a década de 60. Para Rémy, seu bem-estar ao final da vida tem menos a ver com o financeiro: ele apenas quer estar com aqueles que ama, sejam antigos colegas, amigos intelectuais, amantes. Já Sebastién parece saber, em seu íntimo, que esses paliativos não serão suficientes. Há que se investir. Investir dinheiro, no caso.

Como se fossem uma espécie de Otávio e Tião, os personagens de Gianfrancesco Guarnieri e Carlos Alberto Riccelli em Eles Não Usam Black-Tie (1981), clássico brasileiro sobre um pai e um filho em lados políticos opostos, quando eclode uma greve de metalúrgicos, aqui, Rémy e Sebastién também relutam em aceitar o estilo de vida um do outro - ainda que a doença do primeiro fará com que o segundo, meio que na surdina, se compadeça. Nesse sentido, não serão poucas as vezes em que o jovem sacará um bolo volumoso de dinheiro do bolso, seja para subornar policiais, pessoas que possibilitem cuidados médicos mais adequados nos Estados Unidos ou para molhar a mão de representantes de um Sindicato local, que tendem a não aceitar movimentações de doentes do desorganizado hospital de Quebec. Em certa altura, Sebastién se aproximará de Nathalie (Marie-Josée Croze), uma jovem viciada em drogas, que pode ser a ponte para o fornecimento de heroína, uma droga muito mais potente que a morfina, e que poderá auxiliar a minimizar as dores do pai. 

E enquanto o capital faz a coisa acontecer, Rémy vai saboreando o seu ocaso em longas divagações filosóficas, existencialistas e até niilistas com seus amigos - o que resulta em agradáveis digressões sobre temas diversos, com muito vinho e risadas. Em certa altura, Rémy brinca sobre ter liberado uma verdadeira "cachoeira de esperma" em sua juventude, quando era apaixonado por Inés Orsini ou Françoise Hardy. Ao que seu amigo Pierre (Pierre Curzi) retruca de que está seria a explicação para a alteração do curso de um determinado rio canadense. Desavergonhados, engraçados e cínicos os diálogos são o ponto alto, funcionando ainda como uma metáfora para os tempos em que as Torres Gêmeas norte-americanas recém eram derrubadas, se constituindo em uma alegoria perfeita para o suposto "declínio" do título da obra. O mesmo declínio que atinge aqueles que assistimos que, agora, no limiar da terceira idade, encaram com certo desencanto o futuro, ao mesmo tempo em que romantizam, nostalgicamente, o passado. Ao cabo, esta é uma obra pequena mas abrangente, que trata o conflito geracional com inteligência, profundidade e com um sentimentalismo agridoce irresistível.


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