segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Novidades em Streaming - Clonaram Tyrone! (They Cloned Tyred)

De: Juel Taylor. Com Jamie Foxx, Teyonah Parris, John Boyega e Kiefer Sutherland. Comédia / Ficção Científica, EUA, 2023, 122 minutos.

Um cafetão, uma prostituta e um traficante entram num bar e... finalmente temos um filme bom na Netflix! Mistura de O Show de Truman (1998) e Eles Vivem (1988), com pitadas de Jackie Brown (1998) no universo do blaxploitation, Clonaram Tyrone! (They Cloned Tyrone) é uma mescla eficiente de comédia, ficção científica e drama social sobre um trio que descobre fazer parte de um projeto governamental que envolve controle da mente, clonagem humana e supressão racial (ou eugenia mesmo). Sim, parece complexo, é bastante político e muito atual. Mas também incrivelmente engraçado. E caótico! A trama se passa em um espaço-tempo retrofuturista em que as pessoas falam no celular, citam Obama e Michelle, mas adotam figurinos típicos dos anos 70 enquanto trafegam pra lá e pra cá em Opalas e outros veículos do passado - aliás, o desenho de produção como um todo se consiste em uma grande mescla de todas as décadas recentes.

É nesse cenário que somos apresentados a Fontaine (John Boyega), um traficante da periferia de Glen, que vai confrontar o cafetão Slick Charles (Jamie Foxx) que, pelo visto, lhe deve uma grana. Após um rebu que envolve ainda a prostituta Yoyo (Teyonah Parris), Fontaine é assassinado em frente a casa de Charles por um rival local em seus negócios, um certo Isaac (J. Alphonse Nicholson). Só que quando o dia nasce, Fontaine acorda normalmente como se nada tivesse acontecido, conversa com a sua mãe, vai até o bar local, tenta a sorte na loteria e... vai cobrar novamente a dívida de Charles que, naturalmente, se desespera ao ver aquilo que acredita ser um fantasma. Como pode Fontaine estar vivo, se ele simplesmente assistiu de camarote o sujeito levar uma saraivada de tiros no pátio de sua residência? Essa é a desculpa para que eles resolvam investigar o que pode ter acontecido. O que envolve uma misteriosa van, que leva a uma casa ainda mais misteriosa, que conta com um laboratório em seu subsolo.



Sim, é um pouquinho elaborado e eu afirmo sem nenhuma vergonha o fato de que precisei assistir duas vezes ao filme do estreante Juel Taylor para pegar todos os detalhes, para encaixar melhor os fatos e para tentar compreender melhor quais eram as suas ideias. E se, num primeiro momento, a experiência parece meio diluída em meio a cenários anárquicos, discussões políticas profundas e piadas bastante específicas, lá pelas tantas as ideias começam a ficar claras. Especialmente quando o nosso trio de herois improváveis descobre um complexa instalação subterrânea que submete pessoas negras falecidas a uma espécie de processo de "depuração" que visa a embranquecer as suas peles gradativamente. Devolvidos à sociedade, estereótipos como os do preto traficante ou o da puta de cabelo afro serviriam para manter o status quo em funcionamento. Enquanto a sociedade, com suas mentes controladas, caminharia para um processo de homogeneização, sob a desculpa de que "ainda é melhor assimilar do que ser aniquilado".

Em alguma medida, a obra analisa um certo pacto de branquitude populacional onde todas as raças consomem mais ou menos os mesmos produtos - sejam eles frangos fritos cheios de produtos químicos, sucos de uva industrializados ou tinturas para cabelo que, evidentemente, visam a alisar os fios. Mesmo a música, especialmente o R&B ou o hip hop, deverá soar pasteurizado, suave. Não haverá mais espaço para a fúria, para a revolta ou para a revolução. A comunidade preta deve apenas aceitar que a sociedade é racista, devendo se adaptar a isso. Se for possível, sorria. Se se sentir injustiçado, não conteste. E talvez não seja por acaso que, nesse cenário de submissão, a Igreja surja como um potencializador da apropriação de mentes. Como se o entorpecimento por esse caminho também estivesse a serviço de poderosos. E não está? O filme abre com um longo debate sobre o embranquecimento de Michael Jackson, que culminará em uma saborosa sequência em que um funcionário do bunker subterrâneo - um branquelo de cabelos afro - entoa alegremente Don't Stop 'Til You Get Enough. É uma comédia. Mas que avança com profundidade em seus temas. Um baita acerto.

Nota: 8,0


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