quarta-feira, 13 de junho de 2018

Tesouros Cinéfilos - O Show de Truman (The Truman Show)

De: Peter Weir. Com Jim Carrey, Laura Linney, Natasha, McElhone, Ed Harris e Paul Giamatti. Comédia dramática / Ficção científica, EUA, 1998, 107 minutos.

Poucas vezes a nossa capacidade quase infinita para o culto a (sub)celebridades descartáveis - ou não - foi tão bem retratada quanto no clássico moderno O Show de Truman (The Truman Show). Pouco antes da febre chamada Big Brother tomar conta das televisões mundo afora, a obra do diretor Peter Weir (A Testemunha), anteciparia a onda de reality shows que tentariam a todo o custo atrair a atenção do telespectador do novo milênio - tão curioso pelo excêntrico, pelo diferente e pela vida alheia, claro. Hoje em dia existe reality show pra tudo - pra se tornar o melhor chef, pra ser a melhor drag queen, o melhor cantor. No caso da obra de Weir, o protagonista Truman Burbank (Jim Carrey) também está em um programa desse tipo. Mas sem ter consciência disso já que, desde o seu nascimento, ele é monitorado durante as 24 horas por dia por cinco mil câmeras, com a sua existência resumida a uma rotina repetitiva, em uma espécie de cidade fictícia que fica em uma ilha.

Astro principal do reality sobre a sua própria vida, Truman é acompanhado há quase 30 anos por espectadores de todo o mundo, já que o programa é transmitido durante as 24 horas do dia. Para manter a audiência, além das ações rotineiras - como a ida ao trabalho ou o contato com vizinhos e conhecidos nas ruas (todos atores figurantes) - o diretor da atração Christof (Ed Harris) insere, aqui e ali, fatos marcantes, como o festejado casamento ou a traumática morte do pai de Truman (o que explica a aversão do sujeito a água, já que o homem morre afogado quando o barco em que utilizam é atingido por uma forte tempestade). Tudo de mentirinha, claro. Assim como são de mentira os programas de rádio, as notícias que são publicadas nos jornais, o clima, os acontecimentos do trabalho e até as ruas, que mais parecem saídas de alguma maquete de feira de ciências.



Só que aos poucos Truman passará a desconfiar de sua condição, já que nunca será dada a ele a oportunidade de sair da ilha, havendo sempre um motivo que o impeça (um ônibus quebrado, um vazamento radioativo ou alguma reação motivada pelos seus traumas). O seu sonho de ir a Fiji para um eventual encontro com a paixão juvenil Sylvia (Natasha McElhone) também será barrado de todas as formas. E a desconfiança do protagonista só aumentará quando a equipe de produção de Christof cometer alguns lapsos, como na cena em que um holofote cai sobre o cenário ou na sequência em que um backstage é revelado. Isso sem contar o inexplicável reaparecimento do pai de Truman, anos depois de ele ser dado como morto. E será ligando todos esses pontos, que Truman será capaz de reconhecer o tipo de jogo sórdido em que está envolvido.

Equilibrando comédia e humor na medida certa, O Show de Truman trazia, à época, um Jim Carrey pela primeira vez menos engraçado e caricatural - e até mais comovente (sendo praticamente impossível não se emocionar em suas cenas mais redentoras, cheias de metáforas sobre o necessário questionamento a respeito do status quo e também do sistema a que, nós mesmos, estamos presos). Da mesma forma, Laura Linney como a esposa Meryl, entrega uma ótima caracterização. De forma metalinguística, entrega um "papel" de amplo profissionalismo, sendo especialmente divertido ver ela sugerindo uma série de produtos ao marido, com o único objetivo de fazer merchandising. Já Ed Harris, como o vilão onisciente e onipresente, parece ter plena consciência do fato de que o show por ele projetado pode ter, sim, data para terminar. Um tipo de comportamento que o torna um sujeito mais complexo. E menos maniqueísta.


Quase 20 anos após o seu lançamento, O Show de Truman segue sendo uma obra absolutamente saborosa de ser assistida e chega a surpreender o fato de que, em um mundo tão tecnológico (como o que a própria película critica), ela mesma tenha envelhecido tão bem. O filme nunca parece datado ou excessivamente nostálgico. Ao contrário, traz um subtexto tão possível, que não surpreenderia, mesmo nos dias de hoje, o anúncio de um programa que repetisse o formato proposto pela equipe de Christof. Vai saber. Seria mais um reality em meio a tantos. [SPOILER] Nesse sentido, é possível dizer que a cena final, em que uma dupla de espectadores conversa sobre o que "estaria passando em um outro canal" assim que o programa de Truman finalmente termina, nada mais é do que um resumo de nosso comportamento enquanto consumidores, diante da telinha. Essa caixinha mágica que nos faz rir, chorar e se emocionar. E ficar presos, por meses, as vezes anos, a uma mesma atração.

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