De: Ze Quirke. Com Sydney Sweeney, Madison Iseman, Ivan Shaw, Julie Benz e Jacques Colimon. Terror, EUA, 2020, 90 minutos.
Quando subiram os créditos finais de Noturno (Nocturne) - produção da Blumhouse que estreou na Amazon Prime - o meu sentimento foi meio misto, meio ambíguo. Por um lado gostei demais da abordagem "filosófica" do universo de completa dedicação que envolve os músicos em conservatórios - que praticamente abrem mão de suas vidas (ou ao menos das vidas "normais") para ir em busca do sonho de ser um virtuose. Mas por outro, em alguns momentos eu fiquei naquelas de "é sério que ainda utilizam esse tipo de abordagem em pleno 2020?". E, assim, o que se tem com a obra do diretor Zu Quirke é uma espécie de meio termo. Há instantes que o filme efetivamente "acontece" - especialmente naqueles em que os aspectos técnicos, sua música, sua fotografia de cores contrastantes, seus ângulos de câmera provocativos, são utilizados em favor da narrativa -, enquanto em outros o sentimento é de que as coisas ficaram meio que pela metade.
A trama nos joga dentro de uma prestigiada instituição para músicos clássicos onde estudam duas irmãs gêmeas, a ambiciosa e introspectiva Juliet (Sydney Sweeney) e a extrovertida e espontânea Vivian (Madison Iseman) - e não demora muito para que percebamos o fato de um dos principais arcos dramáticos ser o da clássica disputa entre irmãos. Como pano de fundo, o educandário onde ambas estudam acaba de passar por uma tragédia: a sua mais talentosa aluna, prestes a fazer a sua estreia como solista em um evento de final de ano, acaba de se suicidar sem muita explicação. Vivian, tão talentosa quanto a irmã - mas muito mais despachada (e até intensa) - é selecionada para ser a substituta da falecida. Só que Juliet descobre, meio que por acaso, o misterioso diário de anotações da jovem suicida. E será se utilizando dele, que ela de alguma forma irá para o "lado negro da força" - com direito a, inclusive, algum tipo de citação indireta à obra Fausto de Goethe.
Primeiro, ela escolhe a mesma composição de Saint Saens interpretada pela irmã para a sua apresentação preparatória. Depois, dá um jeito de levar seu atual tutor ao limite, substituindo-o pelo mesmo professor de sua gêmea. Por fim, durante uma festa, provocará um acidente que fará com Vivian quebre o braço, tornando-a incapaz de realizar sua apresentação. E toda essa evolução nos é apresentada de forma bastante misteriosa, com o caderno da morta funcionando como uma espécie de "portal" para que Juliet alcance os seus objetivos. O que não ocorrerá sem um dos clichês mais batidos da história, que é o do despertar da sexualidade sendo apresentado como algo maligno: virgem até então, Juliet transará justamente com o namorado da irmã. Uma transa, como é de praxe no cinema norte-americano, sofrida, desajustada. E esse episódio a tornará ainda mais malvadinha porque, né, já pensou um adolescente com vontade de expressar sua sexualidade? E, confesso, essa foi uma das partes que mais me incomodou. Alguém precisa avisar Hollywood que transar é, normalmente, um prazer: e não a entrada em um mundo de sofrimento, dor, trevas, escuridão e paranormalidade. Quer dizer, às vezes pode ser que seja isso também, vai saber. E não vou nem mencionar as alusões sobre a menstruação como algo "sujo" porque, sério, isso já deveria ter sido superado há algum tempo.
Sobre o que funciona na película, eu diria que é, efetivamente, a boa utilização das metáforas. Até mesmo porque, não dá pra negar, esse tipo de ambiente deve ser tão competitivo, tão disputado, que "vender a alma pro diabo" deve ser quase parte do script do solista bem sucedido. A impressão que se tem é a de que não dá pra ser bonzinho, apático ou discreto e ao mesmo tempo DESTROÇAR o piano. Há aí por trás, algum tipo de desprendimento divino, metafísico e cabalístico que transforma um Mozart num Mozart - ou um Glenn Gould naquilo que foi (e é impossível não pensar no livro O Náufrago, de Thomas Bernhard, enquanto acompanhamos a luta da protagonista em aceitar o seu doloroso destino). Nessa parte, das rimas com outras obras, da metalinguagem e do sem fim de sequências simbólicas sobre as dores de ser um artista de música clássica, a película funciona direitinho. É uma pena que, para se encaixar no público alvo ao qual ela parece destinada, ela tenha apelado para tantos lugares-comuns, para tantas convenções do gênero. É um terrorzinho ok. Dá pra passar o tempo. Mas é só.
Nota: 6,5
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