quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Tesouros Cinéfilos - Moonrise Kingdom (Moonrise Kingdom)

De: Wes Anderson. Com Kara Hayard, Jared Gilman, Bill Murray, Edward Norton, Bruce Willis, Frances McDormand e Tilda Swinton. Comédia dramática / Romance, EUA, 2012, 94 minutos.

Acho que poucos diretores da atualidade despertam tanto o sentimento de amor ou ódio por sua obra quanto o Wes Anderson. O seu cinema, por sinal, costuma ter uma assinatura toda própria. Começa com a fotografia bastante colorida, que geralmente passa por tons de vermelho e amarelo fortemente saturados, vivos. Depois há os enquadramentos e é difícil que o objeto cênico filmado por Anderson escape da posição centralizada, eventualmente em planos médios, feitos a partir de composições angulosas que (quase) fazem lembrar pinturas. O uso da câmera também é cheio de trucagens: os travellings do realizador são um verdadeiro clássico, que ressurge em cada película gerando um efeito ostensivo, exagerado - ainda que invariavelmente divertido, que faz combinar com as excentricidades e as paranoias daqueles que acompanhamos. Sim, este seria ainda mais um elemento de sua filmografia: a extravagância costuma surgir nas próprias personagens, na forma como se comportam, agem, falam. Há um padrão, afinal. Amado por muitos. Detestado por outros.

Mas quem conseguir "mergulhar" numa boa nas esquisitices de Anderson, certamente se divertirá com filmes que, assim como aqueles citados no nosso último episódio do Podcast, não fariam feio na categoria dos feel good movies. E Moonrise Kingdom (Moonrise Kingdom) é definitivamente um desses. Aliás, a obra parece o resultado de anos de depuração de estilo, que culmina em uma narrativa que questiona padrões e convenções sociais e que reforça o debate sobre a importância de valorizar não apenas a vontade das crianças, mas também a importância de lhes dar liberdade para, desde novas, decidirem sobre o que sonham ou desejam ser. E não é por acaso que o jovem "casal" central luta tanto para fugir do esquema institucionalizado a que está submetido - ele, um órfão que se vê obrigado a frequentar um grupo de escoteiros que costuma humilhá-lo; ela uma garota insatisfeita com o tratamento dado pelos seus (monótonos) pais advogados.

E, aqui, por mais que o tom seja permanentemente fabulesco - algo reforçado pelos livros lidos por Suzy (Kara Hayard) e pelas pinturas executadas por Sam (Jared Gilman) -, há no subtexto uma forte discussão sobre quebra de paradigmas, sendo inevitável figuras ligadas a lei - sejam eles o chefe dos escoteiros (Edward Norton), um delegado (Bruce Willis) e a assistente social (Tilda Swinton) -, surgindo como o contraponto óbvio do universo "artístico", lúdico e multicolorido pretendido pela dupla de crianças, que empreende uma verdadeira fuga do esquema a que estão submetidos. E não é por acaso que, mesmo isolados, passam a aprender todas as coisas da vida - da iniciação sexual até se "virar" armando barracas, percorrendo terrenos inóspitos ou simplesmente reagindo aos ataques de um grupo de escoteiros disposto a entrega-los. O tom é de aventura à moda de uma Sessão da Tarde, que faz com que permaneçamos o tempo todo atentos aos próximos passos dos carismáticos protagonistas, sendo impossível não torcer por eles.

Livre para exercitar ainda sua criativa visão de mundo, Anderson não se furta em incluir curiosidades narrativas no desenho de produção que poderiam parecer apenas bizarrices eventuais mas que, no contexto da obra, funcionam como complemento ao seu universo - caso de uma casa na árvore inacreditavelmente alta. Esse tipo de contraste entre um mundo que se abre, se inicia (no caso o das crianças, suas descobertas, amadurecimento), com outro que, paradoxalmente, parece estacionado - e um diálogo entre o senhor e a senhora Bishop (Bill Murray e Frances McDormand) é revelador nesse sentido -, também amplia as camadas possíveis para a película, bem como o espectro que gira em torno dela, de ser apenas uma fábula eventual. Não, não se trata de uma obra de grande profundidade ou cheia de discussões políticas, sociais ou morais. Mas incluindo, aqui e ali, um ou outro elemento que amplie esse tipo de percepção, o filme ganha um pouquinho a mais de força - algo que ocorreria de forma ainda mais consistente no oscarizado O Grande Hotel Budapeste (2014). 

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