B.B. King, Elvis Costelo, Peaches, Nat King Cole, Air e Chemical Brothers e mais alguns outros embalam os momentos que resultarão na aproximação entre Bob Harris (Bill Murray), estrela de cinema que está em Tóquio para fazer um comercial de uísque e Charlotte (Scarlett Johansson), que está na capital japonesa para acompanhar o marido fotógrafo (Giovanni Ribisi), que lhe deixa o tempo todo sozinha no hotel por que só pensa em trabalho. Ambos têm dificuldades para dormir (e até para existir) e, acabam, aqui e ali, se encontrando meio que sem querer no bar do hotel, na piscina ou no elevador. Não demora para que, dali, a despeito da diferença de idade, nasça uma grande amizade entre ambos, que se sentem isolados em relação ao contexto em que estão inseridos - que é o de uma metrópole fria, individualista, apressada, urgente e, invariavelmente, multicolorida (como mostram as sequências nas casas de jogos).
Diga-se de passagem, também nestas cenas, a confusão produzida pelos efeitos sonoros que saem caoticamente de cada aparelho serve como metáfora perfeita para a bagunça interior que parece invadir cada um dos protagonistas. Nesse sentido os encontros, a conversa, a cumplicidade que começa a acontecer, os eventuais silêncios e sorrisos tímidos e até o sentimento de euforia por esta "novidade", formam a representação do acolhimento tão sonhado, da saudade do que não foi, daquilo que era pra acontecer mas não era possível. O Japão urbano e a sua balbúrdia representam a vida daquelas personagens naquele instante que, como se estivessem perdidas no mundo, procuram o aconchego perdido. E tudo isto embalado por uma trilha sonora que mescla na medida certa shoegaze, música eletrônica e pop francês - o que acaba sendo a equação perfeita para uma espécie de nostalgia romântica vivida por qualquer um de nós, seja na memória afetiva da paixãozinha adolescente que não aconteceu, seja nas decepções amorosas que fazem parte da vida.
Mas, numa análise geral, nenhuma passagem musical é mais marcante para mim do que aquela em que Charlotte canta - e a voz rouca e sussurrada de Johansson parece perfeita para isso - o clássico oitentista Brass In Pocket, do The Pretenders. A melancolia onipresente, os olhares trocados, o clima de fim de festa bêbado e entorpecido, uma charmosa desafinação, a letra ousada e provocante - 'Cause I gonna make you see / There's no one else here / No one like me / I'm special so special / I gotta have some of your attention give it to me -, tudo é perfeito nesse instante que, pode-se dizer, resume a obra e aquilo que ela tenta nos mostrar, com precisão. Murray não poderia estar mais perfeito como o sujeito que vivencia aquilo com a consciência de um mundo que não lhe pertence. Scarlett, carismática, magnética e encantadora, é capaz de fazer até a porta do quarto do hotel se apaixonar. Mas não era pra ser, o que, diga-se, não é problema, já que esta é a vida real. E o que nos resta disso tudo? A música, que serve para embalar nossas alegrias e tristezas na medida certa.
Que bela crítica, palavras acertadas na medida. Assisti o filme ontem (26/01/2021) e me encantei.
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