Único filme de Alfred Hitchcock a ganhar o Oscar em sua categoria máxima, Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca) pode não ter envelhecido tão bem em alguns de seus aspectos - especialmente no que diz respeito ao machismo de seu protagonista -, mas segue sendo um dos mais perturbadores suspenses do Mestre. Aliás, foi um belo cartão de visitas do diretor que, com a obra estrelada por Joan Fontaine e Laurence Olivier, fazia sua estreia em solo americano (e há quem diga que a parceria com o produtor David O. Selznick possa ter sido fundamental para o sucesso nas premiações daquele ano). A trama é um clássico Hitchcock com direito a uma mansão sombria, uma governanta cheia de segredos e um casamento que parece o tempo todo servir de fachada para que traumas do passado possam ser apagados. E há uma morte, claro! É uma história de mistério envolvente, com tensão crescente, que explode em seu inesquecível e apocalíptico final.
Na trama Olivier é Maxim de Winter, um nobre inglês que está passando uma temporada num hotel de luxo, enquanto tenta se recuperar da dolorida morte de sua esposa (a Rebecca do título), na temporada passada - em circunstâncias misteriosas, durante um passeio de barco. No local ele conhece uma jovem de origem modesta (Fontaine), que está ali a trabalho, acompanhando a arrogante e empolada senhora Van Hopper (Florence Bates). A paixão é praticamente imediata e, para livrar a moça da vida simples, Maxim a pede em casamento poucos dias depois de conhecê-la (e de iniciarem um relacionamento), convidando-a para morar na mansão Manderley, com suas dezenas de cômodos e de empregados. Mas nem tudo será flores na vida dos dois: há algo errado naquele lugar, como se a, agora senhora de Winter, "sentisse" a presença de Rebecca. Nos cômodos, nos quadros, nos bordados dos travesseiros, nos cantos, frestas e até louças. Ela é uma presença viva, mesmo estando morta, que ecoa em toda a parte - especialmente no comportamento dos serviçais.
E uma delas em especial - no caso, a senhora Danvers (Judith Anderson) -, não faz nenhuma questão de ser cordial com a novata. Ao contrário, gosta de lembrar a moça do quanto todos ali gostavam da falecida, uma pessoa culta, elegante, bem educada (ao passo que a personagem de Fontaine seria como uma pobretona, que foi parar ali por acaso). Ela tenta de todas as formas se enturmar, enquanto circula pela opressiva mansão de um milhão de metros quadrados. Claustrofóbico, o local funciona como se fosse uma personagem opulenta, que mistura riqueza e decadência, lembrando da morte enquanto que a vida insiste em persistir. A beira-mar, a suntuosa propriedade parece ecoar segredos por todos os cantos, o que faz com que a jovem se questione o tempo todo sobre o que, de fato, teria acontecido com Rebecca, essa figura tão viva, tão vibrante. Um caseiro de comportamento excêntrico, um cachorro que circula pela casa de maneira aleatória, ventos que sopram e transformam as cortinas em "fantasmas" que parecem flutuar: a claustrofobia pulsa a cada instante, sendo ampliada pela trilha sonora de notas claudicantes (de Franz Waxman) e pelo tenso jogo de cena, que faz as profundidades de campo da mansão se tornarem amedrontadoras.
E há ainda as reviravoltas que certamente fazem o espectador não piscar os olhos até o hitchcockiano terço final, em que as investigações se aprofundam e o caos se estabelece, gerando dúvidas sobre o comportamento e sobre a moral daqueles que acompanhamos. Há ainda um bem-vindo subtexto em que um surpreendente relacionamento gay parece o tempo todo pronto pra vir à tona - o que para um filme dos anos 40 representava uma ambiciosa ousadia, que se repetiria em outras obras do mestre, mais tarde - caso por exemplo de Festim Diabólico (1948). Hitchcock nunca mais voltaria a ganhar o Oscar, mas Rebecca, seu inesquecível (com o perdão do trocadilho) cartão de visitas, pavimentou o caminho para que o inglês criasse as suas grandes obras, casos de Pacto Sinistro (1951) Janela Indiscreta (1954), Um Corpo Que Cai (1958), Intriga Internacional (1959), Psicose (1960) e Os Pássaros (1963). Figurinha fácil em listas de melhores da história, Rebecca é um dos 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer.
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